São
José Cafasso: diretor espiritual e mestre de Dom Bosco
Trabalhando sem nenhum alarde, o Pe. Cafasso realizou
um extraordinário apostolado ao combater os erros da época; constituiu-se num
esteio para a formação dos sacerdotes
por Plinio Maria Solimeo
José
Cafasso nasceu em Castelnuovo d’Asti (hoje Castelnuovo Dom Bosco) em 1811. Uma
sua irmã foi mãe de outro santo, São José Alamano, fundador da comunidade dos
Padres da Consolata.
Desde
pequeno José era chamado pelos seus concidadãos de il Santeto, por causa de sua
atração para a virtude e coisas santas.
Aos
16 anos entrou para o seminário e vestiu por primeira vez a sotaina. Assim o
descreve Dom Bosco, que o encontrou nessa idade: “De pequena estatura, olhos
brilhantes, ar afável e rosto angelical”.
Providencial
encontro com São João Bosco
Dom
Bosco o viu na porta da igreja de sua cidade, durante uma quermesse, e
impressionado com a aparência do jovem seminarista, quis conversar com ele.
Propôs-se então a mostrar-lhe algum dos espetáculos da feira. E narra deste
modo o episódio:
“[José
Cafasso] fez-me um sinal para eu me aproximar, e começou a perguntar-me minha
idade, meus estudos; se havia já recebido a Primeira Comunhão; com que
freqüência me confessava; aonde ia ao catecismo, e coisas semelhantes. Fiquei
como encantado ante aquela maneira edificante de falar; respondi com gosto a
todas as suas perguntas; depois, quase como para agradecer sua afabilidade,
repeti meu oferecimento de acompanhá-lo a visitar qualquer espetáculo ou
novidade.
—
Querido amigo — disse ele —, os espetáculos dos sacerdotes são as funções da
igreja; quanto mais devotamente se celebrem, tanto mais se tornam agradáveis.
Nossas novidades são as práticas da Religião, que são sempre novas, e por isso
é necessário freqüentá-las com assiduidade; eu só estou esperando que abram a
igreja para poder entrar.
Animei-me
a seguir a conversação, e acrescentei:
—
É verdade o que o Sr. diz; mas há tempo para tudo: tempo para a igreja e tempo
para divertir-se.
Ele
pôs-se a rir, e terminou com estas memoráveis palavras, que foram como o
programa das ações de toda sua vida:
—
Quem abraça o estado eclesiástico entrega-se ao Senhor, e nada de quanto teve
no mundo deve preocupá-lo, mas sim aquilo que pode servir para a glória de Deus
e proveito das almas”.(1)
No
Convitto (internato) São Francisco de Assis
José
Cafasso era ótimo estudante, e precisou pedir dispensa para ser ordenado mais
cedo do que o normal, aos 21 anos de idade, em setembro de 1933. Em vez de
aceitar inúmeros convites de paróquias, quis aprofundar seus estudos no
Convitto (internato) eclesiástico São Francisco de Assis, de Turim. Nessa
espécie de academia eclesiástica ele passou alguns anos de intensa formação
intelectual e espiritual, sendo nomeado professor da cátedra de moral.
Trabalhou junto ao Cônego Guala, um dos fundadores do estabelecimento e seu
reitor. Seu programa era santificar-se cada vez mais e auxiliar os outros para
que também se santificassem. Todos admiravam nele esse empenho para em tudo
procurar a maior glória de Deus e a santificação própria e dos outros.
Ao
morrer o Cônego Guala, José foi aclamado por unanimidade para substituí-lo, e
manteve esse cargo durante 12 anos, isto é, até sua morte. Propôs-se como
modelos São Francisco de Sales e São Felipe Néri. Muitos diziam que, na jovialidade e
uniformidade de espírito, ele muito se assemelhava a esses santos.
Combate
ao jansenismo e ao rigorismo
O
Padre Cafasso combateu tenazmente duas filosofias que haviam então penetrado na
Itália: uma defendia que só a pessoa muito santa deveria aproximar-se dos
sacramentos, principalmente da Eucaristia (jansenismo); e outra se centrava
mais na justiça de Deus, quase abstraindo de sua misericórdia, sem procurar ver
o equilíbrio existente entre esses dois atributos divinos (rigorismo). O Papa
Pio XI, por ocasião do decreto De tuto para a beatificação de José
Cafasso, assinado em 1º de novembro de
1924), afirmou: “Bem depressa logrou Cafasso sentar praça de mestre nas
fileiras do jovem clero, inflamado de caridade e radiante de saníssimas idéias,
disposto a opor aos males do tempo os oportunos remédios. Contra o jansenismo,
levantava um espírito de suave confiança na divina bondade; frente ao
rigorismo, colocava uma atitude de justa facilidade e bondade paterna no
exercício do ministério; desbancava por fim o regalismo, com uma dignidade soberana
e uma consciência respeitosa para com as leis justas e as autoridades
legítimas, sem claudicar jamais, antes bem dominado e conduzido pela perfeita
observância dos direitos de Deus e das almas, pela devoção inviolável à Santa
Sé e ao Pontífice Supremo, e pelo amor filial à Santa Madre Igreja”.(2)
Para
contrapor-se ao jansenismo e ao rigorismo, ele apresentava a Religião sob seus
mais belos aspectos, concebida como um exercício de amor a um Deus de bondade e
misericórdia, que padeceu e morreu para nos salvar. Sem descuidar as verdades
essenciais, ele punha o acento naquelas mais belas e acessíveis ao comum dos
cristãos, para que praticassem as virtudes. Como se vê, utilizava a tática
religiosa preconizada séculos antes por Santo Inácio de Loyola, do agere
contra, isto é, agir sempre contra os erros e vícios da época.
Levava
seus alunos sacerdotes para visitar os cárceres e os bairros mais pobres da
cidade, a fim de despertar neles uma grande sensibilidade para com os
deserdados da fortuna.
Amigo
e protetor de Dom Bosco
Quando
São João Bosco estava ainda no seminário e não podia prosseguir seus estudos
por falta de recursos, o Pe. Cafasso pagou-lhe meia bolsa e obteve dos
dirigentes do seminário facilitar-lhe a outra metade, servindo o jovem seminarista
como sacristão, remendão e barbeiro. E quando ele se ordenou, custeou-lhe o
curso no Convitto para sua pós-graduação.
Depois
ajudou-o em seu apostolado com os meninos, e, mesmo quando todos abandonaram
Dom Bosco, continuou seu acérrimo defensor. Ajudou-o também na recém-fundada
Sociedade Salesiana, sendo considerado pelos salesianos um dos seus maiores
benfeitores.
Assistência
aos condenados na hora da morte
Turim
era a capital do Reino da Sabóia e uma cidade em grande desenvolvimento,
atraindo toda espécie de aventureiros. Em conseqüência, os cárceres estavam
cheios de criminosos de toda ordem, abandonados por todos. Esse foi um dos
campos de apostolado preferido por Dom Cafasso. Ele entregava aos prisioneiros
roupa, comida, material de asseio e outras coisas. Ia visitá-los, e com
paciência e doçura acabava fazendo com que muitos se confessassem e começassem
a levar uma vida mais decente. Sua visita semanal era esperada com sofreguidão
por aqueles párias da sociedade. Muito diferente dos que hoje pregam os
“direitos humanos” dos bandidos, que não buscam a conversão dos mesmos, mas
apenas proporcionar-lhes regalias humanas, mantendo-os na mentalidade
criminosa.
O
maior e mais heróico apostolado exercido por José Cafasso era com os condenados
à morte. Quando um criminoso recebia a sentença de morte, o sacerdote
preparava-o nos dias que a antecediam, para converter-se e confessar-se, e
depois o acompanhava até o lugar do suplício, incutindo-lhe religiosos
sentimentos. De 68 condenados que ele acompanhou assim até o derradeiro
suplício, nenhum morreu sem confessar-se e mostrar-se verdadeiramente
arrependido.
Quando
o criminoso ouvia a pena de morte, geralmente exclamava: “Que o Padre Cafasso
esteja a meu lado na hora da morte, é o meu último desejo”. Chamavam-no mesmo
de outras cidades, para esse benemérito apostolado. Hoje em dia, onde estão os
criminosos que pedem assistência espiritual e os bons sacerdotes que queiram
dá-la? Como decaímos!
Certo
dia o Pe. Cafasso levou Dom Bosco, ainda jovem sacerdote, em uma dessas
visitas. Este, só ao ver a forca, caiu desmaiado...(3) O que mostra o domínio
que Dom Cafasso deveria ter sobre si mesmo para familiarizar-se com tão difícil
apostolado. Mas então tratava-se de salvar uma alma no último momento, e isso
bastava para dar-lhe forças.
“Pai
dos pobres, conselheiro dos vacilantes”
Um
dom que José Cafasso recebeu em alto grau foi o da prudência. À sua porta
batiam desde altos eclesiásticos até gente miúda do povinho, à procura de um
conselho para resolver situações delicadas. E ele sempre tinha a palavra exata,
o conselho certo, a solução definitiva.
Outras
qualidades que nele sobressaíam de maneira especial eram sua tranqüilidade
imutável e exemplar paciência. No rosto, tinha sempre um sorriso amável para
atender as pessoas. Como ele era muito baixo, diziam: “É pequeno de corpo, mas
um gigante no espírito”.
São
João Bosco, na biografia que escreveu de São José Cafasso, seu diretor e
mestre, destaca várias facetas de sua múltipla atividade: “Pai dos pobres,
conselheiro dos vacilantes, consolador dos enfermos, auxílio dos agonizantes,
alívio dos encarcerados, salvação dos condenados à morte”.(4)
A
devoção do Padre Cafasso à Santíssima Virgem era fora do comum. Ele a nutria
desde pequeno e falava d’Ela com entusiasmo. Dedicava os sábados em sua honra,
e não havia o que se lhe pedisse num desses dias ou em alguma festa de Nossa
Senhora, que ele não atendesse.
Três
amores: Eucaristia, Nossa Senhora, Papado
Ele
dizia constantemente que tinha três amores: a Jesus Sacramentado, à Santíssima
Virgem e ao Papa.(5) Esta afirmação era tanto mais importante numa época em que
o Papa estava sendo despojado dos Estados Pontifícios.
Num
de seus sermões sobre Nossa Senhora, Dom José Cafasso exclamou arrebatado: “Que
feliz dita a de morrer num sábado, dia da Virgem, para ser levado por Ela ao
Céu!”. Realmente, essa foi a graça que ele obteve, falecendo no sábado, 23 de
junho de 1860, aos 49 anos de idade.
José
Cafasso foi beatificado por Pio XI em 3 de maio de 1925, e canonizado por Pio
XII em 22 de junho de 1947.
E-mail do autor: pmsolimeo@catolicismo.com.br
__________
NOTAS:
1.
São João Bosco, Biografía y Escritos de San Juan Bosco, Biblioteca de Autores
Cristianos, Madrid, 1955, Memorias del Oratorio, p. 97.
2.
Giuseppe Usseglio, S.D.B. www.mercaba.org/Santoral/Junio/23-2.htm
3.
www.iglesiapotosina.org/admon/santoral/santostodos.cfm?id_santo=332
4.
Giuseppe Usseglio, S.D.B., site citado.
5.
www.serviciocatolico.com/liturgia%20y%20santoral/santoral/junio/23dejuni.htm
Fonte: Revista Catolicismo | Junho de 2004
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