quinta-feira, 31 de maio de 2012

Santa Catarina: «Um querubim em hábito de mulher, ou um rosto de mulher com entendimento e asas de querubim»




LITERATURA BRASILEIRA
Textos literários em meio eletrônico
Sermão de Santa Catarina (1663),
de Padre António Vieira.




Quinque autem ex eis erant fatuae, et quinque prudentes (1).
 
 
I
A casa que edificou para si a Sabedoria: Sapientia aedificavit sibi domum (2), era aquela parte mais interior e mais sagrada do Templo de Salomão, chamada por outro nome Sancta Sanctorum. Levantavam-se no meio dela dois grandes querubins, cujo nome quer dizer sábios, e são entre todos os coros dos anjos os mais eminentes na sabedoria. Com as asas cobriam estes querubins a Arca do Testamento, e com as mãos sustentavam o propiciatório, que eram os tesouros e o assento da Sabedoria divina. A Arca era o tesouro da Sabedoria divina em letras, porque nela estavam encerradas as tábuas da lei, primeiro escritas, e depois ditadas por Deus; o propiciatório era o assento da mesma Sabedoria em voz, porque nele era consultado Deus, e respondia vocalmente, que por isso se chamava oráculo. As paredes de toda a casa em roda estavam ornadas com sete palmas, cujos troncos formavam outras tantas colunas, e os ramos de umas para as outras faziam naturalmente seis arcos, debaixo dos quais se viam em pé seis estátuas, também de querubins. Esta era a forma e o ornato da casa da Sabedoria, edificada por Salomão, porém traçada por Deus, e não se viam em toda ela mais que querubins e palmas, em que a mesma Sabedoria, como vencedora de tudo, ostentava seus troféus e triunfos. 

Mas se Deus naquele tempo se chamava Dominus exercituum, e se prezava de mandar sobre os exércitos e batalhas, e dar ou tirar as vitórias, parece que as estátuas colocadas debaixo de arcos triunfais de palmas não haviam de ser de querubins sábios, senão de capitães famosos. Não pareceria bem, debaixo do primeiro arco, a estátua de Abraão com a espada sacrificadora de seu próprio filho, vencendo a quatro reis só com os guardas das suas ovelhas? Não diria bem, debaixo do segundo arco, a estátua de Moisés com o bastão da vara prodigiosa, afogando no Mar Vermelho a Faraó, e triunfando de todo Egito? Não sairia bem, debaixo do terceiro arco, a estátua de Josué com o sol parado desfazendo o poder e geração dos gabaonitas, sem deixar homem à vida? Não avultaria bem, debaixo do quarto arco, a estátua de Gedeão com a tocha na mão esquerda e a trombeta na direita, metendo em confusão e ruína os exércitos inumeráveis de Madiã e Amalec? Não campearia bem, debaixo do quinto arco, a estátua de Sansão com o leão aos pés e a queixada do jumento na mão, matando a milhares dos filisteus? Finalmente, não fecharia esta famosa fileira a estátua de Davi com a funda e a pedra, derrubando o gigante e cortando-lhe a cabeça com a sua própria espada? Pois se estas seis estátuas famosas ornariam pomposamente a sala do Senhor dos exércitos, por que razão os arcos triunfais das palmas cobrem antes estátuas de querubins sábios, que de capitães valorosos? Porque é certo na estimação de Deus, ainda que alguns homens cuidem o contrário, que as vitórias da Sabedoria são muito mais gloriosas que as das armas, quanto vai das mãos à cabeça. Por isso quis o mesmo Deus que lhe edificasse a casa, não o pai, senão o filho, não Davi, o valente, senão Salomão, o sábio. 

Suposta esta verdade, que em toda a parte, e muito mais neste empório das letras, se deve supor sem controvérsia, acomodando-me à profissão do auditório e à celebridade do dia, só falarei de Santa Catarina hoje enquanto doutora e sábia. Lá diz Ezequiel que viu uma roda junto a um querubim: Rota una juxta cherub unum (Ez. 10,9). E que querubim é aquele, que tem a roda ao lado, senão Santa Catarina? Na casa da Sabedoria, a cada palma respondia um querubim; nesta, que também é da sabedoria, veremos um querubim com muitas palmas. O assunto pois do sermão serão as vitórias de Catarina, e o título: A sábia vencedora. Ave Maria.
 
 
II
O mais formoso teatro que nunca viu o mundo, a mais grave e ostentosa disputa que nunca ouviram as Academias, a mais rara e portentosa vitória que nunca alcançou da ignorância douta e presumida a verdadeira sabedoria, é a que hoje teve por defendente um querubim em hábito de mulher, ou um rosto de mulher com entendimento e asas de querubim, Santa Catarina. A aula, ou teatro desta famosa representação, foi o palácio imperial; os ouvintes e assistentes, o Imperador Maximino, o senado de Alexandria, e toda a corte e nobreza do Oriente; a questão, a da verdadeira divindade de um ou de muitos deuses, e a fé ou religião que deviam seguir os homens; os defendentes, de uma parte uma mulher de poucos anos, e da outra cinqüenta filósofos, escolhidos de todas as seitas e universidades; e a expectação da disputa e sucesso da controvérsia, igual nos ânimos de todos à grandeza de tão inaudito certame. Em primeiro lugar propuseram os filósofos inchados seus argumentos, aplaudidos e vitoriados de todo o teatro, e só da intrépida defendente recebidos com modesto riso. E depois que todos disseram quanto sabiam em defensa e autoridade dos deuses mortos e mudos, que eles chamavam imortais, então falou Catarina, por parte da divindade eterna e sem princípio, do Criador do céu e da terra e da humanidade do Verbo, tomada em tempo, para remédio do mundo. 

Falou Catarina, e foi tal o peso das suas razões, a sutileza do seu engenho e a eloqüência mais que humana com que orou e perorou, que não só desfez facilmente os fundamentos ou erros dos enganados filósofos, mas, redarguindo e convertendo contra eles seus próprios argumentos, os confundiu e convenceu com tal evidência, que sem haver entre eles quem se atrevesse a responder ou instar, todos confessaram a uma voz a verdade infalível da fé e religião cristã. E que faria com este sucesso Maximino, imperador empenhado e cruel? Afrontado de se ver vencido nos mesmos mestres da sua crença, de quem tinha fiado a honra e defensa dela, e enfurecido e fora de si, por ver publicamente demonstrada e conhecida a falsidade dos vãos e infames deuses, a quem atribuia o seu império, em lugar de seguir a luz e docilidade racional dos mesmos filósofos, com sentença bárbara e ímpia, mandou que ou sacrificassem logo aos ídolos, ou morressem todos a fogo. Todos, sem duvidar nem vacilar algum, aceitaram a morte por Cristo, não só constantemente, mas com grande alegria e júbilo, e na mesma hora, e do mesmo teatro onde tinham entrado filósofos, saíram teólogos, onde tinham entrado gentios, saíram cristãos, e onde tinham entrado idólatras, saíram mártires. Oh! vitória da fé a mais ilustre e ostentosa, que antes nem depois celebraram os séculos da Cristandade! Oh! triunfo de Catarina, não com duas palmas nas mãos, de virgem e mártir, mas com cinqüenta palmas aos pés de sutil, de angélica e de invencível doutora! Digna por esta inaudita façanha de que no mais alto do Monte Sinai, depois de ser trono do supremo legislador, as mesmas mãos, que escreveram as primeiras letras divinas, levantassem eterno troféu à memória das suas. 

quarta-feira, 30 de maio de 2012

O Porquê das Heresias

 

O Porquê das Heresias
Do livro "As Grandes Heresias"
de Monsenhor Cristiani

Na oração sublime que os exegetas chamam "oração sacerdotal", Cristo pede ao Pai, com certa angústia, que os seus discípulos guardem para sempre a unidade: "Pai Santo, guarda em teu nome aqueles que me confiou, de modo que sejam um, como Nós... Não rogo somente por eles, mas também para aqueles que, movidos por sua pregação, creiam em mim, para que todos sejam um, como Tu, Pai, estás em Mim e Eu em Ti, para que também eles também sejam um em Nós, a fim de que o mundo saiba que Tu me enviaste "(Jo XVII, 11, 20-24).

Cristo sabia o preço e a dificuldade da unidade, o que seria o principal sinal da verdadeira Igreja. Porém haveria divisões, rupturas da unidade, divergências de opinião, em uma palavra, heresias. Este é, de fato, o significado desta palavra de origem grega, que adotado pelo latim, foi quase desconhecido pela linguagem clássica, e, em vez disso, usado com freqüência pelos Padres da Igreja. De onde provém as heresias? Da diversidade de idéias, de características, temperamentos, e por fim, o próprio fato da liberdade humana. A Fé na Palavra de Deus é livre. Deus não força ninguém. Porém é inevitável que a fé exija por parte do homem um esforço de submissão e obediência. Esta obediência é uma opção. O papel das heresias é destacar essa opção. Por isso São Paulo disse: “É necessário que entre vós haja heresias para que possam manifestar-se os que são realmente virtuosos” (I Coríntios, XI, 19).

E Tertuliano, 150 anos mais tarde, escrevia: “A condição de nosso tempo nos obriga a dar esta advertência, que não nos devemos admirar por causa das heresias, nem de sua existência, que foi predita, nem de que arruínem a fé em muitos, pois sua razão de ser é provar a fé, tentando-a”.

Se tentarmos verificar esta lei da prova necessária à fé, constataremos que ela faz parte das leis essenciais que regem os espíritos. Os anjos haviam sido submetidos a uma prova. Não lhe conhecemos o modo, mas constatamos o fato, na existência dos demônios (1). Eram anjos como os outros. Sucumbiram à prova. Os homens, por sua vez, devem ser “tentados”, isto é “provados”. É fácil ver o que acontece no aparecimento das heresias. No fato da heresia podem distinguir-se três aspectos diferentes: o aspecto filosófico, o aspecto paradoxal e o aspecto positivo.

Sob o ponto de vista filosófico, a heresia nasce do conflito ou do contraste entre a verdade revelada e os diversos sistemas filosóficos já estabelecidos nos espíritos sobre os quais recai essa revelação. A fé nem sempre encontra espíritos bem preparados para a receber. Cristo escolheu apóstolos sem instrução. Mas esses mesmos apóstolos tinham suas idéias, suas tradições, suas concepções sobre o reino messiânico. Os escribas e fariseus se julgavam bem mais esclarecidos que os humildes pescadores do lago da Galiléia. Em todos eles a fé encontrava obstáculos, em todos haviam preconceitos a vencer. E, passando dos Judeus para os pagãos, os conflitos de aspecto filosófico entre a fé e os sistemas em voga iriam ser ainda mais agudos. E até o fim dos tempos, seria a mesma coisa. Nem sempre é possível a concordância entre as filosofias humanas e a fé revelada. Os pensadores cristãos terão que executar uma tarefa imensa de adaptação entre a razão e a fé.

Do aspecto filosófico das heresias passamos, inevitavelmente, ao aspecto paradoxal. Entendemos com isso que a verdade revelada, pelo próprio fato de sua origem divina apresenta necessariamente sombras que a razão não consegue vencer. É o que exprimimos quando dizemos que a fé encerra mistérios. Refletindo sobre isso, compreendemos perfeitamente que uma religião sem mistérios não pode ser uma religião divina. A razão deve confessar sua impotência ante a fé vinda de Deus. E é isso que dá à heresia um aspecto paradoxal. Salienta a realidade antinômica e paradoxal do mistério da fé.

Enfim, a heresia se explica também pelo aspecto positivo. Com efeito, nem tudo está errado na heresia. Sempre contém uma intuição verdadeira, mas falseada pela interferência de um sistema filosófico que está em contradição com a fé, ou pela recusa implícita ou explícita do mistério da fé. Em toda heresia há, portanto, rebelião contra a verdade revelada e é nisso que se manifesta o sentido profundamente anticristão de qualquer heresia.

Êsse modo de ver a heresia é tradicional na Igreja. Mas sempre se tem insistido também no bem que pode surgir do grande mal que é a heresia. Tôdas as heresias foram ocasião de progresso na compreensão da fé, de confirmação da unidade no seio da Igreja.


(1) A respeito de Satã e os demônios, veja-se o tomo 21 da presente coleção.

Fonte: Retirado do livro “Breve História das Heresias” – Monsenhor Cristiani, Prelado da Santa Sé, Tradução de José Aleixo Dellagnelo, Sei e Creio, Enciclopédia do Católico no Século XX, Décima Terceira Parte, Irmãos Separados, Livraria Editora Flamboyant, São Paulo, 1962.
Foto: Autor desconhecido. Do álbum "Aedificabo Ecclesiam Meam", generosamente cedidas por Pedro Ravazzano.

terça-feira, 29 de maio de 2012

Sermão do Beato Estanislau Kostka, de Padre Antônio Vieira



LITERATURA BRASILEIRA
Textos literários em meio eletrônico
Sermão do Beato Estanislau Kostka, de Padre Antônio Vieira.


Edição de Referência:
Sermões.Vol. X Erechim: EDELBRA, 1998.

SERMÃO DO BEATO ESTANISLAU KOSTKA

Da Companhia de Jesus,
Pregado na língua italiana, em Roma, na Igreja de Santo André do Monte Cavallo, Noviciado da mesma Companhia.
Ano de 1674.

Beatus venter qui te portavit. [1]

§1

Louvar o filho pela mãe, ou engrandecer a mãe pelo filho, invento não vulgar de uma eloqüência do vulgo. A tríplice geração de Cristo e a tríplice geração de Estanislau. Assunto do sermão: um filho bem-aventurado, beatificado em três mães, e três mães bem-aventuradas e beatificadas em um filho.

Louvar o filho pela mãe, ou engrandecer a mãe pelo filho, invento foi não vulgar de uma eloqüência do vulgo. Assim disse quem não tinha aprendido a bem falar na língua própria, e assim o farei eu na estranha. Hei de falar de um beato, e não posso deixar de beatificar o ventre de que nasceu: Beatus venter qui te portavit (Lc. 11, 27). - Esta é a obrigação de louvar o filho, e esta a necessidade de não poder louvar juntamente a mãe. Mas qual mãe? O filho é Estanislau; e, quando eu ponho os olhos neste bendito filho, vejo uma, duas, e três mães, cada uma das quais o quer por seu. Não basta aqui a espada de Salomão, porque são mais de duas as que litigam.

Viveu pouco Estanislau, e não podia viver muito. Aos anjos concede-se pouca vida, ou pouco espaço de viadores; e não pode continuar muito quem começa pelo fim. Contudo, em uma via tão breve, e em uma vida tão curta, foi Estanislau três vezes concebido e três vezes nascido. Não digo coisa nova e sem exemplo; mas o exemplo é tão único, e tão alto que a faz mais admirável e mais nova. Falando de seu próprio Filho, diz Deus por boca de Davi: Filius meus es tu; ego hodie gemi te (SI. 2, 7): Vós sois meu filho, e eu vos gerei hoje. - Mas quando foi este hodie, e este hoje? Em um, em dois, e em três nascimentos. Hodie: hoje, na geração eterna; hodie: hoje, na encarnação temporal; hodie, hoje, na ressurreição gloriosa. Assim o afirma S. Paulo. E isto, que só se crê de um homem-Deus, nós o veremos por seu modo em um moçozinho que não chegou a ser homem. Cristo três vezes nascido de um só pai; Estanislau três vezes nascido, mas de três mães.

E que mães foram estas? Uma em Polônia, ilustríssima; outra em Germânia, diviníssima; e a terceira em Roma, perfeitíssima. Em Polônia, a mãe natural, que lhe deu o primeiro ser; em Germânia, a Mãe de Deus e sua, que lhe deu o segundo; em Roma, a Companhia de Jesus, que lhe deu o último, e, apenas concebido no ventre, o tresladou à sepultura. Foi Estanislau o primeiro que morreu nesta casa, e, sendo ela verdadeiramente mater viventium [2], ele foi o seu primogenitus mortuorum [3]. - Não devia uma tal mãe ter outro primogênito, nem um tal primogênito outra mãe. A primeira mãe cede facilmente à terceira; a terceira cede gloriosamente à segunda; e eu, para louvar a Estanislau em todas três, que farei? Não farei, nem posso fazer mais, nem menos, que provar o meu tema em todas três. Veremos, pois, em outros tantos correlativos, um filho bem-aventurado beatificado em três mães, e três mães bem-aventuradas, e beatificadas em um filho: Beatus venter qui te portavit. - Temos não só proposto, mas já dividido o discurso; comecemos pela primeira parte.

§II

A primeira folha da vida de Estanislau, o nome de Jesus esculpido no ventre de sua mãe. Sendo todos os santos obras de Deus, por que só esta firmou o mesmo Deus, e sobrescreveu com seu nome? Estanislau, jesuíta nascido. Que quer dizer o nome de Jesus estampado sobre Estanislau concebido em Polônia? A milagrosa vitória da Polônia sobre o exército de Osmã. A vitória de Estanislau sobre o império Otomano, escrita e retratada por S. João em uma das mais famosas figuras do seu Apocalipse.

Beatus venter qui te portavit.
Concebido que foi Estanislau - começo assim, porque em matéria grande, e em tempo breve, nem se deve perder tempo nem palavra - concebido que foi Estanislau no ventre da primeira mãe, eis que aparece milagrosamente sobre o mesmo ventre o nome de Jesus, não escrito, ou pintado, mas esculpido e relevado na mesma carne, e todo cercado de raios. Ouvistes ou lestes alguma hora caso semelhante? Prodígio verdadeiramente estupendo e inaudito; mas, se eu me não engano, já de muito longe antevisto e prometido. Do nome de Jesus tinha profetizado Isaías, em uma palavra de dobrada significação, duas coisas singulares, que veriam os séculos futuros. A primeira, que aquele nome seria nomeado do céu; a segunda, que do céu seria esculpido: Nomen, quod os Domini nominabit; nomen, quod os Domini insculpet [4]. - E quando se cumpriu este oráculo? A primeira promessa se cumpriu antes da conceição de Cristo, quando o anjo anunciou do céu o nome de Jesus: Quod vocatum est ab angelo prius quam in utero conciperetur [5], - A segunda não estava ainda cumprida, e se verificou na conceição de Estanislau, quando no ventre da mãe apareceu o nome de Jesus esculpido: Nomen quod os Domini insculpet. - Mas o nome de Jesus no ventre de uma mulher? No ventre de uma mulher aquele nome quod est super opine nomen [6] - não só escrito, ou sobrescrito com letras; não pintado, ou divisado com cores, mas formado da mesma carne? Sim, da mesma carne, e aqui está o mais admirável e o mais miraculoso do milagre. Nas entranhas da Mãe de Deus encarnou Deus o seu Verbo, e nas entranhas da mãe de Estanislau encarnou o Verbo o seu nome.

Naquele ventre a Encarnação do Verbo oculta, nesta a encarnação do nome manifesta; naquele, com milagre novo e inefável, que não terá segundo; neste com milagre novo e inaudito, que não teve primeiro. Oh! mulher verdadeiramente beatificada e consagrada! O teu ventre foi o primeiro templo de Estanislau, e, posto que ainda se não podia adorar o santo, já se devia adorar o templo: Ut in nomine Jesu omne genu flectatur  [7].

A Cera e o Fogo



Um dos pontos mais indispensáveis para uma alma conseguir guardar perfeitamente a castidade é a fuga das ocasiões próximas de pecado.

Já foi dito que "em matéria de castidade não há fortes nem fracos. Há prudentes ou imprudentes."

Com o pecado original ocorreu uma desordem nas paixões do homem, desordem esta que o inclina constantemente ao mal e que, com o auxílio da graça, pode ser domada, mas não extinta durante esta vida, sendo preciso estar sempre alerta com relação a ela, não lhe dando qualquer ocasião de nos dominar.

Ocasião próxima de pecado é a pessoa, coisa, lugar ou circunstância que atiça as paixões humanas, seduzindo a pessoa a pecar.

Em virtude da fraqueza da natureza humana e da força de atração que o pecado exerce sobre nós depois da culpa original, expor a própria alma a uma ocasião perigosa, é praticamente como expor cera ao fogo.

Se pudesse pensar, de nada a cera fugiria tanto quanto do fogo.

O fogo é de tal forma nocivo à cera, e a cera de tal maneira fraca diante do fogo, que basta que aquela fique próxima deste, ainda que este nem a toque, para que ela seja derretida.

A natureza da cera não resiste ao calor do fogo. Derrete-se. É consumida. Evapora-se. Aniquila-se.

Para a pobre "cera" --(que simbolicamente somos nós)-- não há outra alternativa: ou foge do fogo ou nele acha o seu fim.

E se resolve não fugir, à medida em que for se derretendo, o cruel fogo saberá alimentar-se dela, tornando-se ainda mais forte, sempre à espreita de uma nova "cera" imprudente para devorar...

Ora, tanto quanto a cera diante do fogo, assim o homem é fraco, extremamente fraco, diante das ocasiões de pecado, de modo que expor-se a elas imprudentemente e, portanto, sem o auxílio da Graça, é sinônimo de nelas cair.

E, de fato, segundo a clássica doutrina dos moralistas, sob a égide de Santo Afonso de Ligório, expor-se a uma ocasião próxima de pecado mortal, que se poderia evitar, já é pecado mortal de imprudência.

Logo não há outra alternativa para o homem: ou a fuga das más ocasiões, ou a morte espiritual.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Commonitorium: Regra para distinguir a Verdade Católica do erro


São Vicente de Lérins
COMMONITORIUM
Notas para conhecer a verdadeira Fé

Introdução

1. Dado que a Escritura nos aconselha: "Interroga teu pai e ele te contará; os teus avós, e eles te dirão". (Dt 32,7); "Ouve as palavras dos sábios" (Pr22,17); e também: "Meu filho, não te esqueças da minha lei, e guarda no teu coração os meus preceitos" (Pr 3,1), a mim, Peregrino, último entre todos os servos de Deus, me parece que é coisa de não pouca utilidade escrever os ensinamentos que recebi fielmente dos Santos Padres. Para mim isto é absolutamente imprescindível, a causa de minha debilidade, para ter assim ao alcance das mãos um auxílio que, com uma leitura assídua, supra as deficiências de minha memória. Induzem-me a empreender este trabalho, ademais, não só a utilidade desta obra, mas também a consideração do tempo e a oportunidade do lugar. Em relação ao tempo, já que ele nos tira tudo o que há de humano, também nós devemos, em compensação, roubar-lhe algo que nos seja gozoso para a vida eterna, tanto mais quanto que ver aproximar-se o terrível juízo divino nos convida a pôr maior empenho no estudo de nossa Fé; por outro lado, a astúcia dos novos hereges reclama de nós uma vigilância e uma atenção cada vez maiores. Em relação ao lugar, porque afastados da multidão e da agitação da cidade,habitamos num lugar bem separado no qual, na cela tranqüila de um mosteiro, se pode pôr em prática, sem medo de distrair-se, o que canta o salmista: "Desisti – disse ele – e reconhecei que sou Deus". (Sl 45,11) Aqui tudo se harmoniza para que eu alcance minhas aspirações. Durante muito tempo fui perturbado pelas diferentes e tristes peripécias da vida secular. Graças à inspiração de Jesus Cristo, consegui por fim refugiar-me no porto da Religião, sempre muito seguro para todos. Deixados para trás os ventos da vaidade e do orgulho, agora me esforço em aplacar a Deus mediante o sacrifício da humildade cristã, para poder assim evitar não só os naufrágios da vida presente, mas também as chamas da vida futura. Posta minha confiança no Senhor, desejo, pois, iniciar a obra que me insta, cuja finalidade é colocar por escrito tudo que nos têm sido transmitido por nossos pais e que temos recebido em depósito. Meu intento é expor cada coisa com a fidelidade de um relator, e não com a presunção de querer fazer uma obra original. Não obstante, me aterei a esta lei ao escrever: não dizer tudo, mas resumir o essencial com estilo fácil e acessível, prescindindo da elegância e do maneirsimo, de maneira que a maior parte das idéias pareçam melhor enunciadas que explicadas. Que escrevam brilhantemente e com finura aqueles que se sentem levados a isto pela profissão ou pela confiança em seu próprio talento. No que a mim se refere, já tenho muito em preparar estas anotações para ajudar a minha memória,ou melhor, a minha falta de memória. Não obstante, não deixarei de me empenhar, com a ajuda de Deus, em corrigi-las e completá-las cada dia, meditando no que tenho aprendido. Assim, pois,caso estas notas se percam ou acabem caindo em mãos de pessoas santas, rogo a estas que não se apressem em jogar-me na cara que algo do que nestas notas haja espera todavia ser retificado e corrigido, segundo minha promessa.

Regra para distinguir a Verdade Católica do erro

2. Havendo interrogado com freqüência e com maior cuidado e atenção a inúmeras pessoas, sobressalentes em santidade e doutrina, sobre como distinguir por meio de uma regra segura, geral e normativa, a verdade da Fé Católica da falsidade perversa da heresia, quase todas me têm dado a mesma resposta: "Todo cristão que queira desmascarar as intrigas dos hereges que brotam ao nosso redor,evitar suas armadilhas e se manter íntegro e incólume numa fé incontaminada, deve,com a ajuda de Deus, apetrechar sua fé de duas maneiras: com a autoridade da lei divina ante tudo, e com a tradição da Igreja Católica". Sem embargo, alguém poderia objetar: Posto que o Cânon das Escrituras é em si mais que suficientemente perfeito para tudo, que necessidade há de se acrescentar a autoridade da interpretação da Igreja? Precisamente porque a Escritura, por causa de sua mesma sublimidade, não é entendida por todos de modo idêntico e universal. De fato, as mesmas palavras são interpretadas de maneira diferente por uns e por outros. Se pode dizer que tantas são as interpretações quantos são os leitores. Vemos, por exemplo, que Novaciano explica a Escritura de um modo, Sabélio de outro, Donato, Eunomio, Macedônio, deoutro; e de maneira diversa a interpretam Fotino, Apolinar, Prisciliano, Joviano,Pelágio, Celestino, e em nossos dias, Nestório. É pois, sumamente necessário, ante as múltiplas e arrevesadas tortuosidades do erro, que a interpretação dos Profetas e dos Apóstolos se faça seguindo a pauta do sentir católico. Na Igreja Católica deve-se ter maior cuidado para manter aquilo em que se crê em todas as partes, sempre e por todos. Isto é a verdadeira e propriamente católico, segundo a idéia de universalidade que se encerra na mesma etimologia da palavra. Mas isto se conseguirá se nós seguimos a universalidade, a antiguidade e o consenso geral. Seguiremos a universalidade se confessamos como verdadeira e única fé a que a Igreja inteira professa em todo o mundo; a antiguidade, se não nos separamos de nenhuma forma dos sentimentos que notoriamente proclamaram nossos santos predecessores e pais; o consenso geral, por último, se, nesta mesma antiguidade, abraçamos as definições e as doutrinas de todos, ou de quase todos, os Bispos e Mestres. 

Exemplo de como aplicar a regra

3. Qual deverá ser a conduta de um cristão católico, se alguma pequena parte da Igreja se separa da comunhão na Fé universal?- Não cabe dúvida de que deverá antepor a saúde do corpo inteiro a um membro podre e contagioso. Mas, e se for uma novidade herética que não está limitada a um pequeno grupo, mas que ameaça contagiar à Igreja toda? - Em tal caso, o cristão deverá fazer todo o possível para agarrar-se à antiguidade, a qual não pode evidentemente ser alterada por nenhuma nova mentira. E se na antiguidade se descobre que um erro tem sido compartilhado por muitas pessoas, ou inclusive toda uma cidade, ou por uma região inteira?- Neste caso porá o máximo cuidado em preferir os decretos - se os tiver - de um antigo Concílio Universal, à temeridade e à ignorância de todos aqueles. E se surge uma nova opinião acerca da qual nada tenha sido ainda definido? - Então indagará e confrontará as opiniões de nossos maiores, mas somente daqueles que sempre permaneceram na comunhão e na fé da única Igreja Católica e vieram a ser mestres provados da mesma. Tudo o que ache que, não por um ou dois somente, mas por todos juntos de pleno acordo, tenha sido mantido, escrito e ensinado abertamente, freqüente e constantemente, sabe que ele também pode crer sem vacilação alguma.


Fonte: LÉRINS, São Vicente de. Commonitorium - Notas para conhecer a verdadeira Fé. Do original "COMMONITORIO - Apuntes para conocer La Fe verdadeira". Texto traduzido do espanhol por Jorge Luis - http://tradicaoviva.blogspot.com; versão corrigida e editada, p.1-3.

domingo, 27 de maio de 2012

Do homem bom e pacífico

LIVRO SEGUNDO
Exortação à vida interior

Cap. 3. Do homem bom e pacífico, 97

  1. Primeiro conserva-te em paz, e depois poderás pacificar os outros. O homem apaixonado, até o bem converte em mal e facilmente acredita no mal; o homem bom e pacífico, pelo contrário, faz com que tudo se converta em bem. Quem está em boa paz de ninguém desconfia; o descontente e perturbado, porém, é combatido de várias suspeitas e não sossega, nem deixa os outros sossegarem. Diz muitas vezes o que não devia dizer, e deixa de fazer o que mais lhe conviria. Atende às obrigações alheias, e descuida-se das próprias. Tem, pois, principalmente zelo de ti, e depois o terás, com direito, do teu próximo.

  2. Bem sabes desculpar e cobrir tuas faltas, e não queres aceitar as desculpas dos outros! Mais justo fora que te acusasses a ti e escusasses o teu irmão. Suporta os outros, se queres que te suportem a ti. Nota quão longe estás ainda da verdadeira caridade e humildade, que não sabe irar-se ou indignar-se senão contra si própria. Não é grande coisa conviver com homens bons e mansos, porque isso, naturalmente, agrada a todos; e cada um gosta de viver em paz e ama os que são de seu parecer. Viver, porém, em paz com pessoas ásperas, perversas e mal educadas que nos contrariam, é grande graça e ação louvável e varonil.

  3. Uns há que têm paz consigo e com os mais; outros que não têm paz nem a deixam aos demais; são insuportáveis aos outros, e ainda mais o são a si mesmos. E há outros que têm paz consigo e procuram-na para os demais. Toda a nossa paz, porém, nesta vida miserável, consiste mais na humilde resignação, que em não sentir as contrariedades. Quem melhor sabe sofrer maior paz terá. Esse é vencedor de si mesmo e senhor do mundo, amigo de Cristo e herdeiro do céu.


Livro: Imitação de Cristo
Autor: Tomás De Kempis
Edição: 36ª
Editora: Vozes

sábado, 26 de maio de 2012

Da obediência e sujeição

LIVRO PRIMEIRO
Avisos úteis para a vida espiritual

Cap. 9. Da obediência e sujeição, 36


  1. Grande coisa é viver na obediência, sob a direção de um superior, e não dispor da própria vontade. Muito mais seguro é obedecer que mandar. Muitos obedecem mais por necessidade que por amor: por isso sofrem e facilmente murmuram. Esses não alcançarão a liberdade de espírito, enquanto não se sujeitarem de todo o coração, por amor de Deus. Anda por onde quiseres: não acharás descanso senão na humilde sujeição e obediência ao superior. A imaginação dos lugares e mudanças a muitos tem iludido.

  2. Verdade é que cada um gosta de seguir seu próprio parecer e mais se inclina àqueles que participam da sua opinião. Entretanto, se Deus está conosco, cumpre-nos, às vezes, renunciar ao nosso parecer por amor da paz. Quem é tão sábio que possa saber tudo completamente? Não confies, pois, demasiadamente em teu próprio juízo; mas atende também, de boa mente, ao dos demais. Se o teu parecer for bom e o deixares, por amor de Deus, para seguires o de outrem, muito lucrarás com isso.

  3. Com efeito, muitas vezes ouvi falar que é mais seguro ouvir e tomar conselho que dá-lo. É bem possível que seja acertado o parecer de cada um: mas não querer ceder aos outros, quando a razão ou as circunstâncias o pedem, é sinal de soberba e obstinação.


Livro: Imitação de Cristo
Autor: Tomás De Kempis

Edição: 36ª

Editora: Vozes

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Da mente pura e da intenção simples

LIVRO SEGUNDO
Exortação à vida interior

Cap. 4. Da mente pura e da intenção simples, 99

  1. Com duas asas se levanta o homem acima das coisas terrenas: simplicidade e pureza. A simplicidade há de estar na intenção e a pureza no afeto. A simplicidade procura a Deus, a pureza o abraça e frui. Em nenhuma boa obra acharás estorvo, se estiveres interiormente livre de todo afeto desordenado. Se só queres e buscas o agrado de Deus e o proveito do próximo, gozarás de liberdade interior. Se teu coração for reto, toda criatura te será um espelho de vida e um livro de santas doutrinas. Não há criatura tão pequena e vil, que não represente a bondade de Deus.

  2.  Se fosses interiormente bom e puro, logo verias tudo sem dificuldade e compreenderias bem. O coração puro penetra o céu e o inferno. Cada um julga segundo seu interior. Se há alegria neste mundo, é o coração puro que a goza; se há, em alguma parte, tribulação e angústia, é a má consciência que as experimenta. Como o ferro metido no fogo perde a ferrugem e se faz todo incandescente a Deus fica livre da tibieza e transforma-se em novo homem.

  3. Quando o homem começa a entibiar, logo teme o menor trabalho e anseia as consolações exteriores. Quando, porém, começa deveras a vencer-se e andar com ânimo no caminho de Deus, leves lhe parecem as coisas que antes achava onerosas.


Livro: Imitação de Cristo
Autor: Tomás De Kempis
Edição: 36ª
Editora: Vozes

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Da meditação da morte


Da meditação da morte



Pela manhã, pensa que não chegarás à noite, e à noite não te prometes o dia seguinte. Por isso anda sempre preparado e vive de tal modo que te não encontre a morte desprevenido. Muitos morrem repentinamente e inesperadamente; pois na hora em que menos se pensa, virá o Filho do Homem (Lc 12,40). Quando vier aquela hora derradeira, começarás A julgar mui diferentemente toda a tua vida passada, e doer-te-á muito teres sido tão negligente e remisso.


Livro: Imitação de Cristo
Autor: Tomás De Kempis
Capítulo: 23 - Da meditação da morte, Página 74, Parágrafo 3.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Da humilde submissão

LIVRO SEGUNDO
Exortação à vida interior
 Cap. 2. Da humilde submissão, 96

Não te importes muito de saber quem seja por ti ou contra ti; mas trata e procura que Deus seja contigo em tudo que fizeres. Tem boa consciência e Deus te defenderá, pois a quem Deus ajuda não há maldade que o possa prejudicar. Se souberes calar e sofrer, verás, sem dúvida, o socorro do Senhor. Ele sabe o tempo e o modelo de te livrar; portanto, entrega-te todo a ele. A Deus pertence aliviar-nos e tirar-nos de toda a confusão. Às vezes é muito útil, para melhor conservarmos a humildade, que os outros saibam os nossos defeitos e no-los repreendam.

Quando o homem se humilha por seus defeitos, aplaca facilmente os outros e satisfaz os que estão irados contra ele. Ao humilde Deus protege e salva, ao humilde ama e consola, ao humilde ele se inclina, dá-lhe abundantes graças e depois do abatimento o levanta a grande honra. Ao humilde revela seus segredos e com doçura o atrai e convida. O humilde, ao sofrer afrontas, conserva sua paz, porque confia em Deus e não no mundo. Não julgues ter feito progresso algum, enquanto te não reconheças inferior a todos.


Livro: Imitação de Cristo
Autor: Tomás De Kempis
Edição: 36ª
Editora: Vozes

terça-feira, 22 de maio de 2012

Como se devem evitar as conversas supérfluas

LIVRO PRIMEIRO
Avisos úteis para a vida espiritual 

Cap. 10. Como se devem evitar as conversas supérfluas, 38



 
Evita, quando puderes, o bulício dos homens, porque muitos nos perturbam os negócios mundanos ainda quando tratados com reta intenção; pois bem depressa somos manchados e cativos da vaidade. Quisera eu ter calado muitas vezes e não ter conversado com os homens. Por que razão, porém, nos atraem falas e conversas, se raras vezes voltamos ao silêncio sem dano da consciência? Gostamos tanto de falar, porque pretendemos, com essas conversações, ser consolados uns pelos outros e desejamos aliviar o coração fatigado por preocupações diversas. E ordinariamente sentimos prazer em falar e pensar, ora nas coisas que muito amamos e desejamos, ora nas que nos contrariam.

Mas, ai! Muitas vezes é em vão e sem proveito, pois essa consolação exterior é muito prejudicial à consolação interior e divina. Cumpre, portanto, vigiar e orar, para que não passe o tempo ociosamente. Se for lícito e oportuno falar, seja de coisas edificantes. O mau costume e o descuido do nosso progresso espiritual concorrem muito para o desenfreamento de nossa língua. Ajudam muito, porém, ao aproveitamento espiritual os devotos colóquios sobre coisas espirituais, mormente quando se associam em Deus pessoas que pensam e sentem do mesmo modo.



Livro: Imitação de Cristo
Autor: Tomás De Kempis
Edição: 36ª
Editora: Vozes

segunda-feira, 21 de maio de 2012

São Francisco de Jerônimo: A realidade do inferno

A realidade do inferno
(São Francisco de Jerônimo)



"(...) O fato não deixa nenhuma dúvida, pois está juridicamente provado no processo de canonização do santo, e atestado com juramento por muitas testemunhas oculares. No ano de 1707, São Francisco de Jerônimo (jesuíta) pregava, como de costume, nos arrebaldes de Nápoles, falando sobre o inferno e os terríveis castigos reservados aos pecadores obstinados. Uma mulher insolente, que morava na redondeza, aborrecida com aqueles sermões que lhe recordavam no coração amargos remorsos, procurou molestá-lo com gestos e gritos, desde a janela de sua casa. Uma vez, um santo lhe disse: 'Ai de ti, filha, se resistes à graça! Não passarão oito dias, sem que Deus te castigue.'

A desaforada mulher não se perturbou Poe aquela ameaça e continuou com suas más intenções. Passaram-se oito dias, e o santo foi pregar de novo perto daquela casa, mas desta vez as janelas estavam fechadas e ninguém o importunava. Os vizinhos que o ouviam, consternados, lhe disseram que Catarina (tal era o nome daquela péssima mulher) tinha morrido de improviso, pouco antes. 'Morreu? Disse o servo de Deus; pois bem, agora nos diga de que valeu zombar do inferno; vamos perguntar-lhe.' Os ouvintes sentiram que o santo pronunciara aquelas palavras com inspiração, e por isso todos esperaram um milagre. 

Acompanhado da multidão subiu à sala, convertida em câmara ardente, e após breve oração, descobriu o rosto da morta e disse: 'Catarina, fala, diz-nos onde estás!' A esta ordem, a defunta ergue a cabeça, abre os olhos tomas cor o seu rosto, e em atitude de horrível desespero profere, com voz lúgubre estas palavras: 'No inferno! Eu estou no inferno!'

Imediatamente cai e volta ao estado de frio cadáver. 'Eu estava presente ao fato, afirma uma das testemunhas que depuseram no tribunal apostólico, mas não saberia explicar a impressão que causou em mim e nos circunstantes; ainda hoje, passando perto daquela casa e olhando a tal janela, fico muito impressionado. Quando vejo aquela funesta moradia, parece-me ouvir a lúgubre voz: No inferno! Eu estou no inferno.' "


BELTRAMI, Padre André. O inferno existe – Provas e exemplos. Artpress, São Paulo: 2007, p. 37-8)

Fonte: Texto retirado do antigo blog odioaheresia
Foto: Autor desconhecido.

domingo, 20 de maio de 2012

Santos e demônios IV: Santo Antonio Maria Claret


 
Santos e demônios IV: Santo Antonio Maria Claret
(Padre João Echevarría, CMF)


Um esquadrão de demônios viu o Pe. Claret ao lado esquerdo de sua cama quando, ainda seminarista, foi vítima de horrorosa tentação que se dissipou com a doce aparição de Maria Santíssima.

E este exército infernal combateu-o principalmente na época das missões, com as quais tantas almas o Pe. Claret arrebatou ao inferno, para apresentá-las a Jesus como gloriosos despojos de combate.

Encontrava-se em Vich o santo missionário.

Uma manhã, as pessoas da casa onde ele estava hospedado viram com grande surpresa que não descia para tomar seu café, na hora de costume. Temeram que estivesse indisposto. Bateram à porta, entraram no quarto e perguntaram-lhe se se encontrava adoentado.

– Sinto uma dor profunda no lado esquerdo – respondeu.

Alarmados com isto, pois o Pe. Claret não costumava queixar-se, chamaram o médico. Chegando este, mandou que descobrisse o lado afetado, e afastando a roupa, viu no lado esquerdo uma ferida como se uma fera lhe houvesse despedaçado a carne com as garras, deixando à mostra algumas costelas.

Ninguém conheceu a causa desse ferimento, porque o Pe. Claret nada dizia; mas todos acreditaram ser efeito do demônio que assim queria atormentar as carnes do inocente missionário.

Voltou por duas vezes o médico, e vendo que havia sinais de gangrena, após uma demorada consulta, resolveu ser necessária uma intervenção cirúrgica, e determinou fazê-la na manhã seguinte.

Veio; bateu à porta do doente, mas este não respondeu. Perguntou por ele, alarmado, e enquanto esperava, apareceu risonho o doente prodigioso.

– Não se espante, disse-lhe, ajude-me a agradecer a Deus este favor. Esta noite Nossa Senhora curou-me.

O doutor, atônito, mandou descobrir o lugar da ferida; e notou com surpresa que já havia cicatrizado, e o lugar recoberto de pele branca e firme.

– Milagre! – exclamaram a uma voz todos os circunstantes.

***

As perseguições do demônio eram mais freqüentes na época das missões.

Pregava o Pe. Claret em Sarreal, província de Tarragona. As multidões, comovidas, tomaram quase que de assalto a igreja; invadiam-na, deixando-a repleta; e muita gente se acotovelava no adro por não poder entrar no templo.

Quando o missionário estava mais fervoroso e emocionante no sermão, desprendeu-se do arco central do templo uma pedra enorme, que caiu em pedaços sobre a multidão.

– Não é nada!, gritou o Pe. Claret, ninguém se mova! É o demônio que quer impedir o fruto da santa missão. Mas não tem permissão de Deus para vos fazer mal.

Assim foi; pois os diversos pedaços não feriram a ninguém. Este milagre aumentou o fervor e o entusiasmo do auditório, e assim ficou derrotado o demônio.

***

Pregava, doutra feita, perante enorme concorrência. Estava já na metade da missão. O povo cada dia dava maiores demonstrações de piedade e arrependimento.

sábado, 19 de maio de 2012

Santos e demônios III: São João Maria Vianney

Santos e demônios III: São João Maria Vianney
(Mons. Francis Trouchu)



Que há inferno e anjos decaídos condenados a ele é dogma da nossa fé católica. Conforme ela, o demônio é um ser pessoal e existente e não uma ficção da fantasia. 

No mundo, é verdade, a sua ação permanece oculta, porém, às vezes, com permissão de Deus, se manifesta exteriormente. É que sem dúvida vê ameaçada sua influência nesta ou naquela parte da terra, e como não pode atacar diretamente a Deus, o invisível malfeitor se esforça em esterilizar os trabalhos dos seus obreiros. 

Por espaço de 35 anos – de 1824 a 1858 – o Cura d’Ars foi alvo das perseguições exteriores do maligno. Se satanás tivesse conseguido roubar-lhe o sono e o repouso, tirar-lhe o gosto da oração, das austeridades e dos trabalhos apostólicos e o obrigasse a deixar o ministério das almas!... Mas o inimigo da salvação foi descoberto e vencido. “As lutas com o demônio, diz Catarina Lassagne, tornaram o Pe. Vianney caritativo e desinteressado”. O péssimo astuto não contava com esse resultado.

As perseguições infernais começaram no tempo em que o Santo Cura meditava no plano da Providência [isto é, o orfanato/educandário de Ars], para a qual acabava de adquirir uma casa, quer dizer, durante o inverno de 1824 a 1825. 

Foram a continuação de violentas tentações interiores. Durante o curso de uma enfermidade bastante grave, devida talvez ao que ele chamava “loucuras da juventude” [isto é, suas heróicas penitências], o Pe. Vianney, tentado por pensamentos de desesperação, cria-se próximo à morte. Parecia-lhe ouvir repetidamente, dentro de si mesmo, uma voz que lhe dizia: “Agora cairás no inferno”. Mas o Santo recuperava a paz da alma avivando sua fé em Deus. Para turbar-lhe a paz exterior, começou o demônio com inquietações insignificantes. Cada noite, o pobre Cura d’Ars ouvia rasgarem-se as cortinas do leito. Pensou que se tratasse de vulgares roedores. Deixou um pau na cabeceira, mas tudo em vão. Quanto mais sacudia as cortinas para pegar os ratos tanto maior era o ruído dos rasgões, e no dia seguinte, quando esperava ver as cortinas feitas em pedaços, encontrava-as intactas. Essas manobras duraram algum tempo. 

O Cura d’Ars não pensou, a princípio, tratar-se do espírito das trevas. “Não era nada crédulo, e dificilmente dava fé aos fatos extraordinários”, tanto que, mais tarde, quando se lhe ofereciam casos de possessão diabólica, conduzia-se sempre com a maior prudência. “Perguntei-lhe um dia, diz o Pe. Dufour, missionário de Belley, que pensava de uma pessoa que se enfurecia em presença de um sacerdote ou de um crucifixo. Respondeu-me: ‘Tem um pouco de nervos, um pouco de loucura e um pouco do grappin’. – Grappin era o nome com que ele de ordinário designava o demônio. – Quanto a ele [mesmo], conservando perfeito domínio de si mesmo em meio de um trabalho inaudito, não podia ser tido por alucinado. Muito sério e inimigo da mentira para inventar comédias, jamais teria falado em obsessões do demônio se não fossem reais. Tal era, de outro lado, a convicção de quantos dele se aproximavam.

Ora, no silêncio duma noite ouviram-se pancadas e gritos no pátio da casa paroquial. Seriam acaso ladrões que cobiçavam os preciosos presentes do visconde de Ars, guardados nun cofre no sótão? O Pe. Vianney desceu às pressas e não viu nada. Contudo, nas noites seguintes, receou ficar só. 

– “Depois de muitos dias, contou André Verchere, carvoeiro da vila, jovem de 28 anos, robusto e galhardo, que o Pe. Vianney ouvia em sua casa um ruído extraordinário, uma tarde veio ao meu encontro e me disse: ‘Não sei se são ladrões... Queres dormir na casa paroquial?’ 

– ‘Com muito gosto, sr. Cura. Vou carregar o meu fuzil’. Chegada a noite, dirigi-me à casa canônica. Conversei com o sr. Cura, junto ao fogão, até pela volta das dez. Então me disse ele: ‘Vamos dormir’. Cedeu-me seu quarto e ele ocupou o contíguo. Eu não podia dormir. A uma hora ouvi sacudir com violência o ferrolho e a tranca da porta que dava para o pátio. Simultaneamente, contra a mesma porta ressoavam pancadas de maça, enquanto a casa se enchia de um ruído atordoador como de várias carroças. Tomei o fuzil e me precipitei para a janela, que abri com violência. Olhei e não vi nada. A casa estremeceu por um quarto de hora. Minhas pernas fizeram o mesmo, e disso me ressenti por espaço de 8 dias. Quando o estrépito começou, o sr. Cura acendeu uma lâmpada e veio ter comigo. 

– Ouviste alguma coisa? Perguntou-me.

– Sim. Pois não vê Vossa Reverendíssima que me levantei e estou com o fuzil? 

A casa estremecia como se a terra tremesse. 

– Tens medo? Perguntou-me ainda o sr. Cura. 

– Não; não tenho medo, porém sinto que me faltam as pernas. A casa vai desabar. 

– Que pensas ser isso? 

– Creio ser o diabo [respondeu o guarda]. 

Quando cessou o barulho, voltamos para a cama. O sr. Cura na noite seguinte pediu-me ficasse com ele novamente. ‘Sr. Cura, respondi-lhe, já levei susto que chega’”.

(...) Diante da negativa do carroceiro, o sr. Cura dirigiu-se ao burgomestre, o qual mandou à casa paroquial seu filho Antônio, bom rapaz de 26 anos e aquém deu por companheiro de armas João Cotton, jardineiro do castelo de Ars, dois anos mais velho do que ele. Depois da oração da noite foram para a casa paroquial, onde dormiram umas doze noites. “Não ouvimos nenhum ruído, diz Jão Cotton. Não assim o sr. Cura, que dormia no quarto vizinho. Mais de uma vez o seu sono foi perturbado e então nos perguntava: - ‘Meninos, não ouvistes alguma coisa?’ Não; respondíamos. Nenhum ruído chegou até nós. Apesar disso, por um momento, percebi um som semelhante ao que se produz na lâmina de uma faca cortando rapidamente a água numa vasilha. Tínhamos colocado os nossos relógios junto ao espelho do quarto. ‘Estou admirado, disse-nos o sr. Cura, que os vossos relógios não estejam feitos em pedaços’”. 

Muitos outros jovens, ente eles Edemos Scipiot, administrador do castelo, puseram-se de sentinela no campanário. Tão pouco eles ouviram ruído algum que lhes causasse suspeitas. Somente, conforme diz Madalena Scipiot, filha de Edemo, “eles viram, certa noite, uma como língua de fogo que se precipitava sobre a casa canônica”. 

Donde pois procediam os ruídos misteriosos? O Pe. Vianney intranqüilo, porém prudente, ainda não ousava emitir a sua opinião. Uma noite em que a neve cobria o solo, ressoaram gritos no pátio. “Era como um exército de austríacos ou de cossacos que confusamente falasse uma língua que não se entende”. O Cura d’Ars abriu a porta. Ao pálido reflexo da neve, que mesmo nas noites sem luar costuma alumiar fracamente, não viu rasto de ninguém. Não havia lugar para dúvidas. Não se tratava de vozes humanas; tão pouco era coisa angélica ou divina, mas qualquer coisa de horrível e de infernal. Além disso, os calafrios de medo que sentia não revelavam a presença do misterioso personagem? “Achei que era o demônio porque tive medo, dizia mais tarde a Mons. Devie; Deus não assusta ninguém”. Convencido pois de que nem paus ou fuzis poderiam alguma coisa contra o inimigo, “despediu os guardas e ficou só no combate”. 

Com efeito, foi uma verdadeira batalha. E para sustentá-la, o Pe. Vianney não tinha mais recursos que a paciência e a oração. “Perguntei-lhe uma vez, refere seu confessor, como repelia tais ataques. Respondeu-me: ‘Volto-me para Deus, faço o sinal da Cruz e digo algumas palavras de desprezo ao demônio. Além disso, noto que o barulho é muito maior e que os assaltos se multiplicam quando, no dia seguinte, vem algum grande pecador”. Essa averiguação muito o consolava nas suas insônias. “A princípio tinha medo, dizia confidencialmente ao sr. Mermod, um de seus melhores amigos, mas agora estou contente. É muito bom sinal; a pesca do dia seguinte é sempre excelente”. O grappin é tolo. Ele mesmo anuncia a conversão de grandes pecadores. “Está furioso... Tanto melhor”. 

Chegamos ao tempo do trabalho sobre-humano, quando o Pe. Vianney passava a maior parte do dia no confessionário. Chegada a noite, apesar de sentir-se extenuado, não se deitava sem antes ler algumas páginas da Vida dos Santos. Essa era a hora que ele aproveitava para se flagelar de espaço em espaço com sangrentas disciplinas... Feito isso, estendia-se sobre a pobre enxerga e procurava dormir. Já ia querendo dormir quando, subitamente, era tirado de seu repouso por gritos lúgubres, vozes e golpes formidáveis. Dir-se-ia que o malho dum ferreiro fazia em pedaços a porta da casa. De repente, sem que se movesse um ferrolho, o Cura d’Ars percebia com horror que o demônio estava junto dele. “Eu não lhe dizia que entrasse – contava meio brincando, meio sério – mas ele entrava do mesmo modo”. A festa ia começar. O espírito do mal permanecia invisível, porém sua presença se deixava sentir. Derrubava as cadeiras, sacudia os pesados móveis do quarto, e gritava com voz aterradora: “Vianney, Vianney... Comilão de batatas... Ah! Ainda não estás morto... Não me escaparás...” Ás vezes, imitando os animais, grunhia como um urso, uivava como um cachorro e, atirando-se sobre as cortinas, as sacudia com violência. Outras vezes, conta o Irmão Atanásio, conforme as suas próprias recordações e os relatos de Catarina Lassagne, o demônio imitava o ruído que faz o martelo quando se cravam pregos na parede ou quando se rola um tonel com arcos de ferro; tocava tambor sobre a mesa, sobre a estufa e sobre o pote d’água...

“Cantava às vezes, com voz áspera, e o Cura d’Ars nos dizia troçando: “O grappin tem voz muito feia!”

“Também sentia como se lhe passassem a mão pelo rosto ou como se ratos lhe corressem pelo corpo. Certa noite ouviu o ruído dum enxame de abelhas. Levantou-se e acendeu a vela. Foi correr a cortina para espantá-las, mas não viu mais nada. Outra vez o demônio experimentou tirá-lo do leito atirando-lhe a enxerga ao chão”. O P. Vianney, mais assustado do que nas outras vezes, fez o sinal da cruz e o demônio o deixou tranqüilo. 

Certa noite, pouco depois de se ter deitado, notou que o leito, de ordinário tão duro, estava extraordinariamente macio, no qual se ia afundando como num divã. Ao mesmo tempo uma voz irônica repetia: “Eia, Eia!... Vamos, vamos”; e com outras palavras irrisórias induzia-o à sensualidade. “O P. Vianney benzeu-se e tudo cessou”.