quarta-feira, 29 de junho de 2022

“Non M' Impugnare Senza Valore”

"Não me desembainhar sem razão. 
Não me empunhar sem valor."

Não há apenas beligerância em um líder nobre. O "Non M' Impugnare" expressa com elegância e quase modéstia um senso de proporcionalidade, adequação e último recurso. 

Um convite educado para evitar qualquer forma de desvio, orgulho e arrogância: racionalidade, excelência de espírito e valor, acima de tudo ético, mas também técnico, se fundem como se funde uma espada, dando-lhe uma subjetividade apelativa, um instrumento dotado de personalidade e missão, para com o seu dono.

Todo dote sorteado, toda vocação treinada e abençoada, toda ação deve seguir o caminho traçado por esse aforismo, se não se quer cair na armadilha do uso e abuso de si mesmo, da sujeição narcisista de seu ser.

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Estátua de João de Médici, mais conhecido como João das Bandas Negras (em italiano: Giovanni dalle Bande Nere) - Galleria degli Uffizi, Florença, Itália.


Texto: Aqui

sábado, 4 de junho de 2022

Sobre o orgulho

Bajazeto I, O Coxo 
Tamerlão, O Caolho.
Cortezão, O Verme Luzente
O ORGULHO
por V. Marchal


O orgulhoso recolhe o opróbrio, em primeiro lugar, porque se torna ridículo. A sede de louvores o fá-lo desatinado. A propósito de tudo falará de si ou do que lhe respeita: ora o eu, diz Paschall, é sempre odioso. Falará do que ignora com todo o entono de um entendedor, e será o único a não se rir de suas tolices. Não sabendo nada e querendo dizer coisas de importância, dirá coisas extravagantes.


Se disserta ou discute, é necessário que lhe dêem razão, fosse embora convencido de que a não tem: e, ainda que esteja em bom campo, procede de forma que não tem razão pela maneira porque raciocina. Se apresenta um sentimento, é com a condição de ser aceito, sem se discutir, se batem em retirada por delicadeza, ele triunfa aplaudindo-se da vitória. Reconhece dois papas e, aos seus olhos, o mais infalível não é o que se pensa. É daqueles de quem se mofa ou de quem a gente se separa, sem se dar ao trabalho de os aborrecer. Desses é que deixou dito o Espírito Santo: "Aquele que não pode reter o seu espírito ao falar é como uma cidade aberta e sem muralhas" (Provérbios XXV, 10). "A conversa do insensato é como um fardo que nos pesa nas jornadas" (Eclesiástico XXI, 19). "O homem de juízo oculta seu saber; o coração do insensato dá-se pressa em manifestar sua loucura" (Provérbios XII, 23). "Aquele que guarda a boca, guarda a alma; mas o falador indiscreto expõe-se a muitos males" (Provérbios XIII, 3). "A língua do insensato é uma vara de orgulho; despedaça-o a ele próprio e seus lábios são a ruína de sua alma" (Provérbios XVIII, 7).


A falta de mérito real, o orgulho tirará vaidade do que não presta para nada. Afetará na sua pessoa e no seu porte maneiras impossíveis; ou até se julgará de uma raça diferente do comum dos humanos, lá porque despertou um dia, graças à morte repentina de algum velho tio, senhor de meio milhão.


Ora, ás meditações daqueles que se sentirem achacados desta fatuidade, pode propor-se a seguinte história:


Bajazeto I, imperador dos Turcos, era coxo; Tamerlão, imperador dos Mongóis, era cego de um olho. Tendo o primeiro sido vencido pelo segundo, na famosa Batalha de Ancara, foi conduzido a presença do seu vencedor; e Tamerlão, ao ver coxear o prisioneiro, desatou a rir. Bajazeto, achando que o Tártaro zombava dele, gritou: Por que está rindo assim, Tamerlão? Não sabes que a fortuna, que hoje te sorri, pode amanhã mostrar-se bem triste? Longe de mim rir de seu infortúnio, responde o Tártaro; mas, ao ver tua enfermidade e a minha, não posso deixar de dizer a mim mesmo: É necessário que os impérios e as riquezas sejam de muito pouco valor aos olhos d'Aquele que está no Alto para que as prodigalise a homens tão mal formados como nós!


O apetite desregrado da glória expõe o homem ao opróbrio, sugerindo-lhe passos aviltantes. Há eminências onde se não chega senão caminhando de rastos, honra que se não compram senão por genuflexões.


É este apetite imoderado das honras que faz a fortuna de todos o passamaneiros e de todos os governos que se levantam.


É ele que faz do povo mais generoso, mais bravo e mais amável da terra, o povo menos governável e o mais governado! São as pretensões sem motivo que impedem a nossa pátria de assentar a sua paz; e as revoluções que a comovem e agitam, não são, o mais das vezes, senão a explosão estéril da cólera das vaidades descontentes contra as vaidades satisfeitas.


É a essa sede de subir que todas as cortes deveram e devem ainda essa elegante ignomínia que se chama um cortezão. Vede esse homem que abafa seus sentimentos, dissimula suas opiniões, faz calar a consciência, atraiçoa os amigos, espia um sopro para soprar, um sinal para falar; é um cortezão. Sempre disposto a vender seu Deus e sua alma, por um favor, está curvado pelo hábito da reverência, arrugado pelo falso sorriso, emagrecido pela inveja. Empalidecido pelo anojo, bem como pelas freimas, só conhece um deus, a sua ambição; uma audácia, a da calúnia: um receio, o de desagradar, dizendo a verdade; um fim, subir para se vingar do suplício que lhe inflige o sentimento íntimo da sua própria abjeção. É um verme luzente, isto é, um animal que rasteja e brilha.


-- Retirado do livro "O homem como deveria sê-lo", de V. Marchal.

terça-feira, 31 de maio de 2022

O SANTO ESCAPULÁRIO DO CARMO


O SANTO ESCAPULÁRIO DO CARMO

Revista Catolicismo n° 4, abril de 1951

* Sua instituição — Privilégios e indulgências - As comemorações do sétimo centenário

No momento augustíssimo e dramático da Crucificação, Nosso Senhor Jesus Cristo nos entregou por filhos a Sua Mãe Santíssima na pessoa do Discípulo amado, São João Evangelista com aquelas benditas palavras: "Mulher, eis aí teu filho". Desde então o desvelo maternal da Virgem Mãe de Deus tem se manifestado de modo admirável para nos socorrer em nossas aflições. E assim como o amor das mães segundo a carne tanto mais se acende quanto maiores são os padecimentos dos filhos, da mesma forma também nossa Mãe Celestial nos atende com solicitude mais amorosa nos momentos de maior angustia.

A dádiva do Santo Escapulário foi uma dessas incontáveis manifestações do afeto maternal de Maria Santíssima aos seus devotos filhos da Ordem Carmelitana, justamente quando esta já se via desamparada ante o assalto dos inimigos

A origem do Escapulário

A Ordem dos Irmãos da Bem-aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo é portadora do glorioso título de ser a mais antiga comunidade religiosa consagrada de modo especial à Virgem Santíssima. As origens da Ordem prendem-se mesmo ao Profeta Elias e seus discípulos, que já prestavam culto àquela de que haveria de nascer o Messias.

As primeiras comunidades carmelitanas floresceram na Palestina, até que, no começo de século XIII, alguns Religiosos penetraram no Ocidente e fundaram conventos em diversos lugares.

Na Inglaterra foram os frades recebidos com especial acatamento pelo povo e por isso desde logo alcançaram grande reputação e engrandecimento para a sua Ordem.

Ora, não faltaram os que se sentiam incomodados com o florescimento dessa obra mariana. Aliás, o demônio não cessa nunca de insuflar em certos espíritos o desprezo e a hostilidade para com os trabalhos empreendidos sob a égide da Virgem. E com isso conquista infelizes adeptos que, ante aquela antiga inimizade estabelecida por Deus entre a Mulher bendita e Satanás, preferem engrossar as fileiras dos filhos das trevas.

Não podia deixar de ser assim com a Ordem Carmelitana: inimigos ousados procuraram difamar os Frades, dizendo que indevidamente se atribuíam o título de Ordem da Virgem, bem como que era falso que sua origem remontasse ao Profeta Elias.

A situação da Ordem era difícil quando no 1º Capítulo Geral celebrado no Ocidente, em 1245, foi eleito Prior Geral da Ordem o grande devoto de Nossa Senhora, São Simão Stock.

Perseverou o Santo em oração em seu Convento de Cambridge, a implorar o socorro da Virgem, e viu afinal atendidas as suas preces. Foi no dia 16 de Julho de 1251. O Santo pedia com respeitosa insistência a Nossa Senhora que se dignasse dar à Ordem um sinal sensível de Sua proteção. Eis que lhe aparece a Rainha do Céu e da Terra, rodeada de anjos e lhe entrega o Santo Escapulário, com esta promessa confortadora: "Recebe, filho diletíssimo, este escapulário da tua Ordem em sinal de aliança comigo, privilégio para ti e para todos os carmelitas; o que com ele morrer não sofrerá o fogo eterno".

São Simão reuniu logo os irmãos de hábito, relatou-lhes a aparição e lhes apresentou a preciosa relíquia recebida das mãos puríssimas de Nossa Senhora.

No mesmo dia o Santo ditou uma carta ao seu secretário, Frei Pedro Swanington, que foi enviada a todos os conventos da Europa, e na qual era exposta a maravilhosa ocorrência.

O primeiro milagre

No mesmo dia em que a Virgem Santíssima se manifestara ao Santo Prior, quis realizar através do Escapulário o primeiro milagre. O próprio secretário do Santo é que no-lo descreve:

"No dia 16 de Julho de 1251, enquanto o referido Beato Simão se dirigia a Winchester, levando-me como companheiro, para pedir ao Senhor Bispo daquela Sé carta de recomendação para o Papa Inocêncio IV, saiu-nos ao encontro, montado em rápido corcel, Dom Pedro de Lyntonia, Deão da Igreja de Santa Helena, de Winchester, suplicando ao Beato Simão se apressasse em assistir a seu irmão que estava para morrer em estado de desespero. O moribundo se chamava Walter, homem desavergonhado para praticar o mal, dado a rixas e a toda sorte de magias, desprezador dos Sacramentos, molesto para os vizinhos, o qual, batendo-se em duelo, tinha sido gravemente ferido e, vendo-se prestes a comparecer diante do tribunal divino, desenrolando-lhe o demônio ante os olhos todos os seus crimes, não queria ouvir falar em Deus nem em Sacramentos; porém, enquanto ainda podia falar, vociferava: "Estou condenado; que o demônio se vingue do meu assassino!"

"Ao chegar ao domicílio do moribundo encontramo-lo espumando pela boca, rangendo os dentes e com os olhos esbugalhados, como se fosse um cão raivoso. Como parecia prestes a morrer e já tinha perdido os sentidos, o Beato Simão fez o sinal da Cruz, e deitando o Escapulário sobre o enfermo, levantou os olhos para o Céu e pediu a Deus que não permitisse que o preço do Sangue de Cristo se desbaratasse, caindo aquela alma nas mãos do inimigo comum.
"De repente, o enfermo, que estava agonizando, recobrou as forças, os sentidos e a fala; e persignando-se com o sinal do Salvador, começou a increpar os demônios, dizendo com a voz cheia de pranto: "Ai! Ai! Miserável que sou! Como temo a condenação. Minhas iniquidades superam o número de grãos das areias do mar. Apiedai-Vos de mim, ó meu Deus, pois a Vossa Misericórdia supera a Vossa Justiça. Padre (disse então ao Beato Simão), ajudai-me; quero confessar-me".

"Retirando-me do quarto e passando para outra dependência da casa, contou-me ai o dito Deão, Dom Pedro, que vendo a impenitência e obstinação de seu irmão, se pusera no seu quarto a sós; e estando a orar, ouvira uma voz que dizia: "Levanta-te Pedro, e procura meu amado servo Simão, que está a caminho daqui". E sem, poder ver quem falava, ouviu a mesma voz segunda e terceira vez. Pelo que, entendo que era uma mensagem do Céu, se apressou a montar em seu cavalo para ir ao encontro do Padre que se achava a caminho. E deu graças a Deus por tê-lo encontrado tão logo.

"Depois de se confessar, Walter renunciou publicamente aos pactos que fizera com o demônio, e recebeu os Sacramentos da Igreja, dando sinais de grande arrependimento. Fez testamento, e querendo restituir os bens adquiridos injustamente e reparar os prejuízos por ele causados, obrigou o irmão, o Deão, sob juramento, de se encarregar dessa restituição. E mais ou menos às oito da noite expirou em santa paz.

"A alma de Walter apareceu ao irmão, o qual estava incerto da salvação do morto, e lhe disse que havia procedido bem com ele, e que pela intercessão da poderosíssima Rainha dos Anjos e pelo Escapulário do Servo de Deus que lhe servira de arma, havia podido evadir as ciladas dos demônios. A notícia deste fato se espalhou rapidamente pela cidade toda".

Privilégios e indulgências

Nossa Senhora atendeu aos rogos de São Simão Stock, que lhe implorava a maternal proteção, e lhe entregou como sinal sensível uma peça de hábito monacal - o escapulário. O simbolismo desse sinal é fecundo: a veste nós a usamos para proteger o corpo contra os rigores do tempo e contra a concupiscência. A Santa Igreja, recolhendo cuidadosamente a dádiva de Nossa Senhora, tornou o Escapulário um sacramental e lhe conferiu, como graça peculiar a da proteção sobrenatural contra todos os perigos que nos assaltam tanto durante a vida como na hora decisiva de nossa morte. Ao mesmo tempo o simbolismo da veste nos indica que a condição necessária para ganharmos a graça própria do Escapulário, é nossa consagração a Maria Santíssima como seus servos, pois, se nos revestimos da libré que Ela nos oferece, é porque concordamos em ser seus leais servidores.

Os privilégios conferidos pois aos devotos portadores do Santo Escapulário são:

1 — a proteção da alma e do corpo,

2 — a graça da perseverança final.

A estes privilégios está anexo outro, também inestimável de que, falaremos depois: a pronta libertação da alma, do Purgatório.

A Santa Igreja cumulou de indulgências os fieis que levam o Santo Escapulário. Assim podem eles lucrar indulgência plenária "toties quoties", isto é, tantas vezes no dia quantas visitarem uma igreja onde esteja erecta uma confraria do Escapulário, por ocasião da festa de Nossa Senhora do Carmo, dia 16 de Julho, ou num domingo de Julho, conforme o uso, desde que tenham satisfeito as condições de costume.

O privilégio sabatino

Passados cinquenta anos da entrega do Escapulário a São Simão, a Virgem Santíssima apareceu ao Papa João XXII e lhe ordenou que fizesse saber que aqueles que trouxessem o Santo Escapulário do Carmo seriam libertados do Purgatório no sábado imediato à sua morte. Tal fato publicou o Santo Padre numa Bula, juntamente com outras indulgências por ele concebidas aos portadores do Escapulário.

O privilégio foi ratificado pelos Papas Alexandre V, Clemente VII, e Paulo V, o qual prescreveu as condições para se fazer jus a ele, a saber, a guarda da castidade segundo o estado de cada um, e a recitação do Ofício Parvo da Virgem e, para os que não puderem recitá-lo, ao menos observância dos jejuns da Igreja, a abstinência de carne nas quartas-feiras e nos sábados, salvo em caso de comutação concedida pela autoridade competente.

7º Centenário

Este ano assinala a passagem do sétimo centenário do grande dom de Nossa Senhora à Ordem Carmelitana. Desde o dia memorável de 16 de Julho de 1251, quantas graças proporcionou a Santíssima Virgem aos devotos do seu Escapulário! Só uma revelação divina nos poderia dar ciência do número de fieis que receberam durante sua vida proteção contra os perigos materiais e espirituais, bem como das almas que foram arrancadas das garras de Satanás na hora da morte e das que foram libertadas prontamente dos padecimentos do Purgatório.

O Breve pontifício

O Santo Padre Pio XII, gloriosamente reinante, houve por bem dirigir ao Prior Geral da Ordem dos Frades Carmelitas Calçados e ao Preposto Geral da Ordem dos Frades Carmelitas Descalços um Breve no qual manifesta a sua alegria por saber que os religiosos "deliberaram dispender o máximo dos seus esforços na celebração das solenidades em honra da Santíssima Virgem Maria, pelo transcurso do sétimo século da instituição deste Escapulário da Mãe de Deus do Carmelo".

Com estas palavras se refere o Santo Padre ao Escapulário:

"Na verdade, o Santo Escapulário é como que o hábito mariano, sinal e penhor da proteção da Mãe de Deus; não pensem, porém, aqueles que vestem este hábito, que entregues à indolência e negligência espiritual, hão de conseguir a salvação eterna, pois o Apóstolo adverte: "Com temor e tremor, empenhai-vos na obra da vossa salvação" (Phil. II, 12). Todos os Carmelitas, pois, seja nos Claustros das Ordens Primeira e Segunda, seja na Ordem Terceira Regular ou Secular, seja nas Confrarias, todos os Carmelitas, que pertencem por especial vínculo de amor a uma só família da Mãe de Deus, encontrem, no memorial da própria Virgem um espelho de humildade e castidade; na simples forma da veste encontrem um compendio de modéstia e simplicidade; sobretudo nesta mesma veste, que dia e noite trazem, encontrem um símbolo eloquente das preces com que imploram o divino auxílio; encontrem, finalmente, aquela consagração ao Sacratíssimo Coração da Virgem Imaculada, por Nós recentemente recomendada".


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URBANISMO E ARQUITETURA COMO ARMAS CONCENTRACIONÁRIAS

 

A arquitetura moderna adultera a própria concepção de moradia

por Cunha Alvarenga
Publicado na Revista Catolicismo nº 29, em maio de 1953


Que pode haver de comum entre a arquitetura moderna e as ideologias extremistas? Como consegue um urbanista, no puro domínio da técnica, concorrer para a realização dos planos da subversão socialista? Eis a reflexão que deve ter ocorrido a muita gente ao ler o seguinte telegrama publicado no decorrer do mês de março pela imprensa diária:

"Belo Horizonte, 16 (Meridional) — Especialmente convidado pela Congregação da Escola de Arquitetura da Universidade de Minas Gerais, encontra-se nesta capital, há dias, o professor urbanista francês sr. Gaston Bardet, contratado pela direção daquele Instituto de ensino superior para proferir um curso de urbanismo com a duração de três meses. A aula inaugural foi realizada na manhã de hoje no salão da Escola de Arquitetura, contando a solenidade com a presença de todos os professores e alunos daquele Instituto e diversos arquitetos mineiros.

"A sessão, porém, que se prenunciava tranquila, foi aos poucos sendo tomada de viva agitação, oriunda do teor das considerações esposadas em sua dissertação pelo urbanista francês. Assim é que afirmou o prof. Gaston Bardet discordar total e integralmente da orientação que vem sendo dada no Brasil aos estudos ligados à arquitetura, com as inovações da chamada "corrente moderna". Teceu diversas críticas aos trabalhos executados em obediência aos princípios modernistas, lamentando que tal orientação tenha sido adotada em nosso país, pois segundo sublinhou, não passaria a nova técnica de "mera influência comunista" e em consequência condenável. Criticou ainda as concepções dos arquitetos brasileiros que a adotaram, não fazendo qualquer exceção. Finalmente, ao examinar a técnica de Le Corbusier, taxou-a de falha e pouco expressiva, não resolvendo o seu pensamento os problemas urbanísticos e arquitetônicos.

"As críticas do urbanista gaulês foram recebidas com diversas manifestações de desagrado e repulsa por parte dos assistentes, e ainda por diversos componentes da Congregação da Escola. Ao tomarem conhecimento da orientação que vinha sendo dada à aula inaugural, levantaram-se de suas cadeiras diversos professores da Escola, abandonando o recinto. Logo após, seguindo o exemplo, grande parte dos assistentes, em sua maioria universitários, abandonavam o salão. Os que permaneceram passaram a travar debates, alcançando os trabalhos, no final, confusão a custo contida pela mesa que dirigia a aula inaugural".

Quebra de continuidade histórica

É o Professor Gaston Bardet uma autoridade altamente credenciada para tratar do tema, pois além de Diretor de Estudos do Instituto Internacional de Urbanismo Aplicado de Bruxelas e Presidente de Honra da Sociedade Francesa de Urbanistas, é conhecido como autor de obras especializadas tais como "Problèmes d'Urbanisme", "Le Nouvel Urbanisme", etc.. Embora não conheçamos o inteiro teor de sua dissertação nessa tumultuosa aula inaugural, pelo contexto da noticia telegráfica somos inclinados a concluir que as amostras de reação e de intolerância com que foram recebidas suas palavras são um triste sinal de capitulação de uma parte de nossas elites universitárias, que se arreceia de enfrentar aqueles que se apresentam como os donos, em graus de monopólio, do "moderno" e do "avançado". E é tão feio, para quem usa óculos "rayban" e está em dia com Sartre, passar por conservador e atrasado...

Para que possamos compreender o que realmente se passa em torno deste assunto, necessário se torna que dele procuremos ter uma visão panorâmica, enquadrando o urbanismo e a arquitetura dentro da revolução artística que se processa no mundo moderno. Esta, por sua vez, não se explica por si mesma. Dela vamos encontrar a chave na revolução religiosa, política, social e econômica que se espalha pela terra como aquela fumaça letal que sai dos poços do abismo. Voltaremos ao assunto sob este ponto de vista geral. Hoje dele apenas nos ocuparemos na medida que se fizer indispensável para a compreensão do que vem acontecendo no campo do urbanismo e da arquitetura.

A revolução universal se apresenta sob dois aspectos principais: o da destruição e o da construção. Satânica, panteísta, por isso que seu ideal é a despersonalização do homem ela pretere agir sobre os grandes corpos coletivos, sobre as organizações sociais, em que a pessoa humana abdica de suas prerrogativas diante da excitação gregária que avassala os próprios cristãos, esse desregramento, essa exacerbação do nós, como acentua Frank-Duquesne (1), sob pretexto de reduzir à modéstia o Eu, o totalitarismo sob todas as suas formas, a tirania do número, "a recusa do recolhimento, a fuga diante da oração, a Liturgia transformada em encantamento coletivo, os divertimentos populares que regridem ao sabath", em resumo, tudo aquilo que arranca o indivíduo à "mão de seu conselho" (Eccl. 15, 14) e o lança na impulsividade, na instabilidade, na irritabilidade da massa amorfa e mecânica.

Em sua alocução da Vigília do Natal de 1952, dizia o Santo Padre Pio XII, gloriosamente reinante, ser "um principio claro de sabedoria que todo progresso só o é verdadeiramente se unir as conquistas novas as antigas, os bens novos aos adquiridos no passado, em suma se sabe aproveitar-se da experiência". Ora, no setor artístico vemos não somente a tendência à negação da personalidade, mas também a idéia fixa da quebra da continuidade histórica, o completo cortar das amarras com o passado, sob capa de destruição da apregoada civilização burguesa. A essa preocupação doentia de destruir a atual ordem de coisas, tarefa que se delineia bem clara aos nossos olhos, também corresponde um esforço de construção de novos padrões artísticos que ainda permanecem em certa obscuridade.

"Os edifícios que entrevemos, dizia o arquiteto futurista Antonio Sant'Elia, terão sua razão de ser unicamente nas condições especiais da vida moderna, e derivarão seu valor estético de sua concordância com a nossa moderna sensibilidade. Esta arquitetura não pode se sujeitar a nenhuma lei de continuidade histórica. Deve ser nova como novo é o nosso estado de espírito".

Obliteração da individualidade

Que estado de espírito será esse? Um dos objetivos principais do espírito revolucionário no campo da estética é a obliteração da individualidade, a negação da personalidade. Neo-gnósticos, foram buscar nos filósofos yoga, juntamente com a negação do livre arbítrio, a afirmação de que sonho e realidade são semelhantes e semelhantemente irreais. Daí viverem, por exemplo, os surrealistas às bordas da loucura. Propuseram-se, como programa, destruir todo o enorme edifício construído pela lógica ocidental. A realidade seria o mundo como é visto pela mente ilógica e irracional de uma criança, pelo automatismo de um médium espírita, de um mágico, de um louco, de um selvagem. "Lógica, ordem, verdade, razão, consignamos tudo isto ao oblívio [delírio] da morte", anunciou um manifesto surrealista. É o que se vê na obra de um Kandinsky, de um Klee, de um Chirico. Revolucionários no setor da arte como Ernest e Dali completam a desintegração, iniciada por Picasso e Breque, do conceito acadêmico da realidade, diz o Prof. Herbert Read, aquela mesma autoridade em arte moderna que afirma que Picasso pinta em estado de transe (Ver CATOLICISMO n.° 21).

Mas o surrealismo e escolas congêneres são apenas uma arte negativa e têm, portanto, um papel meramente temporário e destruidor. São uma arte de período de transição. "A arte abstrata, pelo contrário, tem uma função positiva. Conserva invioláveis as qualidades universais da arte, até o tempo em que a sociedade esteja pronta para usá-las — aqueles elementos que sobrevivem a todas as mudanças e revoluções. Pode-se dizer que como tal é meramente arte em conserva — uma atividade divorciada da realidade, sem interesse imediato para o revolucionário" (2). Há, entretanto, um setor em que essa arte revolucionária do futuro não se acha em conserva, mas já atua. Que setor será esse? O da arquitetura e da arte industrial. "Na realidade, continua o prof. Read, tal arte não se acha em conserva tanto quanto pode parecer. Pois em uma esfera, na arquitetura e de certo modo na arte industrial, ela já se acha em ação social. Ali encontramos o elo essencial entre o movimento abstrato na pintura moderna e o mais avançado movimento na arquitetura moderna — a arquitetura de Gropius, de Markelius, de Lloyd Wright, de Aalto, de Le Corbusier... Não é meramente uma similaridade de forma e intenção, mas uma verdadeira e íntima associação de personalidades" (3).

A arte da sociedade sem classes

Este único elo, prossegue o prof. Read, indica o caminho para a arte do futuro — a arte de uma sociedade sem classes. É impossível predizer todas as formas desta arte, e serão necessários muitos anos até que ela atinja sua maturidade".

A arquitetura moderna seria usada para despersonalizar o homem e rebaixá-lo ao conglomerado da horda, como faz a arte moderna. Aliás os arquitetos e artistas da escola modernista constituem uma só única corrente, como é fácil verificar, por exemplo, pela vida de um Le Corbusier. E costumam trabalhar de parceria, como Niemeyer e Portinari.

Em 1911 Kandinsky e os expressionistas apareceram no campo da arquitetura com seu ocultismo cósmico. Na Alemanha se achava a principal base de ação desses inovadores. É patente a influência da doutrinadora teosofista Madame Blavatsky e de Rudolf Steiner nessa nascente arquitetura moderna. Steiner desenvolveu a idéia de uma arquitetura inspirada no cósmico-astral. Entre os elementos dessa arquitetura ocultista estava um método de proporção por meio da "geometria astral". "O corpo astral, dizia Steiner, é um geômetra acabado". A teoria de Steiner sobre a arquitetura astral se tornou parte do expressionismo alemão e seus efeitos podem ser notados no trabalho dos arquitetos expressionistas Hans Poelzig e Eric Mendelsohn (4).

Onde fica mais explicitada essa tendência ocultista da arte moderna é justamente na obra dos expressionistas alemães, pois os cubistas franceses e italianos tomaram precauções especiais para esconder o fato de que suas doutrinas se achavam profundamente influenciadas pelas obsessões ocultistas de um Max Jacob ou de um Apollinaire. Assim é que tanto os futuristas quanto os cubistas alegavam que sua inspiração geométrica decorria de um importante principio estético desenvolvido pelo pintor impressionista Cézanne: "Deveis ver na natureza o cilindro, a esfera, o cone". Na realidade, estes símbolos representam um papel muito saliente nas doutrinas teosóficas e ocultistas de Madame Blavatsky, a verdadeira inspiradora da arte moderna, quer na parte figurativa, como na não figurativa ou abstracionista.

Estandardização totalitária

HANS POELZIG havia começado por basear suas formas arquitetônicas nos depósitos de cereais e nos silos da América do Norte, elementos considerados o supra-sumo da nova era técnica e industrial. Passando, porém, para os ensinamentos ocultistas do expressionismo, seus edifícios tomaram um aspecto barroco-ectoplásmico. O ectoplasma dos fenômenos metapsíquicos é que explica o uso e abuso dos contornos amebóides da arquitetura moderna. A coisa não se explica, portanto, como um simples protesto contra as formas clássicas ou contra toda e qualquer forma. Seriam esses contornos o equivalente arquitetônico do ectoplasma ou das emanações ou fluidos de um médium que produziriam o movimento em objetos à distância sem contato físico.

Segundo os cânones da arquitetura moderna, a individualidade do arquiteto e do habitante ou morador não deve aparecer nos edifícios, seja por fora, seja por dentro deles. A arquitetura deveria se tornar cada vez mais abstrata. A casa seria reduzida a uma "máquina de morar", como queriam os hoje repudiados futuristas e fascistas e como ainda a concebem os homens da corrente Le Corbusier. E foi esse mesmo Le Corbusier que lá pelas alturas de 1920 lançou um "estilo internacional" em arquitetura, réplica moderna da revolução que o classicismo greco-romano artificialmente provocou na Renascença e que marca o início da decadência cultural do mundo moderno. Daí a mesmice, a generalização de idênticos padrões arquitetônicos pelo mundo inteiro, precedendo a uniformização, a padronização do regime político, ou a proletarização universal.

Eliminam-se todos os elementos decorativos na preocupação de seguir à risca a chamada arquitetura funcional, como se o belo também não exercesse uma função de elevação espiritual na vida humana. Padronizam-se portas e janelas, como se padronizam os próprios elementos arquitetônicos. E essa repetição monótona também faz parte do anonimato da casa e de seus moradores, mas não é feita unicamente em holocausto à deusa eficiência e à preocupação exclusivamente utilitária. Esse sistema de estandardização e de repetição monótona levado ao campo psicológico se destina principalmente a produzir a conformidade do sentir da massa em relação à arquitetura e à arte moderna. Tem uma função embrutecedora e hipnótica, como o demonstra o professor Gaston Bardet, baseado nas experiências de Pavlov sobre os reflexos condicionados (5). Os arquitetos modernos confundem ritmo com repetição, o que representa absurdo semelhante ao de confundir esses mesmos elementos na música. Ninguém confunde música com barulho (a não ser os que levam a revolução também ao setor musical): do mesmo modo, diz o prof. Bardet, não se deve confundir arquitetura com indústria.

Os problemas da urbanização contemporânea

Essa mesma mentalidade concentracionária é levada ao campo do urbanismo. Surge o problema moderno dos grandes conjuntos urbanísticos em torno de um centro de interesse: uma indústria, um aeroporto, uma universidade. Verdadeiras cidades aparecem por assim dizer da noite para o dia. Esses grandes conjuntos urbanísticos não vão crescendo lentamente, na medida do despertar das necessidades sociais, como no passado. Os arquitetos e urbanistas de hoje dispõem de meios técnicos para resolver em escala desmesurada e em velocidade vertiginosa o que antigamente seria obra de várias gerações.

Sobre as imposições da técnica deveriam ter precedendo as finalidades principais desses conjuntos, que seriam servir o homem e lhe dar ambiente próprio para desenvolver sua personalidade. Mas o espírito totalitário é o completo avesso do espírito de variedade. Como visa à despersonalização do homem, tende coerentemente a destruir aquilo que lhe empresta as características pessoais. Todas as armas são empregadas para realizar esse coletivismo despersonalizador: os monstruosos conjuntos industriais concentracionários, as estruturas urbanas concentracionárias, os mecanismos econômicos e financeiros concentracionários. Se se tem em vista construir um palácio para sede da ONU, ou uma sede de ministério da educação, ou um hospital, ou um conjunto residencial, a arquitetura moderna só tem uma solução: um imenso caixão, com imensas paredes nuas ou cortadas monotonamente por janelas ou "brise-soleil" estandardizados, em uma pobreza de elementos que desafia a falta de imaginação de um hotentote.

Se por acaso são forçados à elaboração de um plano de conjunto residencial com casas isoladas, estas se repetem iguaizinhas umas às outras, com uma uniformidade de caserna ou de penitenciaria.

E é neste capítulo da casa que queremos nos referir de modo particular ao fenômeno Le Corbusier e à sua discutida "Unidade de Habitação" de Marselha. Diz o jornal católico francês "L'homme nouveau": "Será seu projeto, como pretendem alguns, um escândalo inadmissível no plano da família, uma tentativa de coletivização da sociedade? Não o cremos, porque à sua revelia, sem dúvida, o homem social de Le Corbusier permanece ainda impregnado de cristianismo. Consciente ou inconscientemente é ainda uma célula cristã que sua técnica laica nos propõe" (6).

Quais os argumentos invocados por esse jornal a favor dessas habitações coletivas e para batizar o laicismo de Le Corbusier? Cingem-se eles ao muito conhecido conformismo que leva certos católicos a aceitar tudo, menos a solução católica para os nossos problemas. Neste caso particular do problema da habitação, aceitam-se como fato consumado: as concentrações urbanas, o proletariado industrial, a especulação econômica levada às explorações imobiliárias.

Deturpação do conceito de moradia

Como argumento caricatura contra a casa individual, cita "L'homme nouveau" o exemplo de Los Angeles, "aglomeração de 65 quilômetros de comprimento por 30 quilômetros de largura". Como se não estivéssemos na época do automóvel e dos meios ultra-rápidos de transporte, e como se Los Angeles não se achasse na terra da mecanização da vida, que é a America do Norte! Tratar-se-ia, segundo "L'homme nouveau", de "humanizar" a habitação coletiva. A rua é barulhenta e perigosa. Fujamos dela. "A técnica moderna nos permite elevar os imóveis a grandes alturas. Aproveitemo-nos desse fato. E em vez de construir na testada das ruas, criando no fundo das casas becos, poços insalubres, fujamos da rua! Deixemos-lhe assegurada a função de circulação mecânica e criemos ilhas de verdura livres de automóveis, onde as crianças possam brincar sem perigo" (7).

E assim, com a cumplicidade de certa opinião católica, a própria concepção da moradia é adulterada por esses preparadores da "nova ordem" totalitária: a casa passou a ser considerada, não como o ambiente favorável ao pleno desenvolvimento moral da família, mas como um "serviço de utilidade pública" em igualdade de condições com o serviço de água, de esgoto, de transportes, etc. Daí a tendência à construção desses grandes conjuntos residenciais para aluguel, sob a égide do Estado, muitas vezes sob o eufemismo de certos órgãos autárquicos, em um sistema de convivência social forçada, com peças coletivas em comum, com jardins em comum, com play-grounds, piscinas, cantinas, enfim todo um tumultuar satânico de atrações que invade a vida familiar e afugenta a tranquilidade do lar, transformando-o em um mero lugar transitório para o descanso noturno e eventualmente para refeições entre uma solicitação exterior e outra. A intenção clara e patente é que não mais seja ao ambiente familiar que caiba a obra de plasmar os homens, mas a esses pontos de atração coletiva, feitos à imagem e semelhança dos criadores desses ambientes onde reina a promiscuidade.

Estamos diante do "demônio da organização", da preocupação de construir a vida social à feição de uma gigantesca máquina industrial, em que tudo gravita em torno de ciclópicos organismos de caráter impessoal.

Os muros de Babilônia

O mal tem raízes bem profundas, como acabamos de ver, e para ele não encontraremos remédio com o simples piscar de sua cauda. E aos que de boa fé possam dizer que a empresa industrial gigantesca, ou os babilônicos conjuntos residenciais, ou as grandes propriedades são um imperativo de nossa época, pelos progressos da técnica, que impediriam a ordenação descentralizada, diversificada e orgânica da vida social e econômica, com a coexistência da grande, da média e da pequena propriedade, respondamos com Pio XII: "Nem se diga que o progresso técnico se opõe a tal regime e arrasta em sua corrente irresistível toda atividade no sentido de propriedades e organizações gigantescas, diante das quais um sistema social fundado sobre a propriedade individual deve inelutavelmente ruir. Não: o progresso técnico não determina, como um fato inevitável e necessário, a vida econômica. Ele, até por demais frequentemente, se submeteu docilmente às exigências de cálculos egoísticos, ávidos de acrescentar indefinidamente os capitais; por que, pois, não se submeteria também à necessidade de manter e assegurar a propriedade particular de todos, pedra angular da ordem social? Também o progresso técnico, como fato social, não deve prevalecer sobre bem geral, mas, pelo contrário, deve ser a este ordenado e subordinado" (8).

Não será a magnitude do problema que nos fará recuar diante de sua solução. Como os antigos israelitas escravizados dentro dos muros de Babilônia, suspiremos e rezemos pelo dia de nossa redenção. E essa liberdade de filhos de Deus a que aspiramos não nos será concedida pelos conjurados da revolução totalitária no campo religioso, político, econômico e artístico, mas pela sincera adesão aos principies emanados da Cátedra da Verdade, que, como fermento, aí estão à nossa espera para levedar toda a massa.


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Notas

(1) Albert Frank-Duquesne: "Réflexions sur Satan en marge de la tradition Judéo-Chrétienne".

(2) Herbert Read : "The Politics of the Unpolitical".

(3) Idem.

(4) Ver, por exemplo, o que diz Robsjohn-Gibbings em "Mona Lisa's Mustache".

(5) Gaston Bardet: "De l ‘Urbanisme à l'Architecture", em "L'Architecture Française", n.° 101-102.

(6) "Le Cas Le Corbusier — Les techniques d'urbanisme face aux exigences de la Foi", em "L'homme nouveau" de 7-12-1952.

(7) Idem.

(8) Rádio mensagem de 1° de setembro de 1944.


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Fonte: Revista Catolicismo - Parte 1 e Parte 2 



Fotografia: Ville Radieuse (Cidade Radiante) foi um plano urbano não construído de Le Corbusier, apresentado pela primeira vez em 1924 e publicado no livro homônimo em 1933. 


segunda-feira, 30 de maio de 2022

Falta de Reação: Causa e Triunfo do Mal



Sobre as senhoras que adotam o uso de calças masculinas


Por Dom José Maurício da Rocha, Bispo de Bragança,

Publicado na Revista Catolicismo n° 37, janeiro de 1954

A falta de reação tem sido a causa do trunfo do mal.

SENDO cada vez mais numerosas em muitos lugares do Brasil as senhoras que adotam o uso de calças masculinas, S. Excia. Revma. o Snr. D. José Maurício da Rocha, DD. Bispo de Bragança, publicou recentemente um edital condenando tal hábito. Esse edital teve a maior repercussão no vizinho Estado de São Paulo e constitui um documento de importância essencial na luta da Hierarquia em prol da modéstia cristã.

Publicamo-lo, pois, chamando a atenção de nossos leitores, não só para as suas disposições, como ainda para os considerandos em que o ilustre Prelado mostra a gravidade do pecado de omissão, nesta importante matéria.

Na Diocese de Campos o interesse do documento não é apenas informativo, como ainda preventivo.

Está assim redigido o edital do Exmo. Snr. Bispo do Bragança:

A FALTA DE REAÇÃO: CAUSA DO TRIUNFO DO MAL

"Considerando que a falta de justa e oportuna reação contra o mal tem sido a causa do seu triunfo nos vários setores da vida, sobretudo atualmente; considerando que é dever da autoridade, no âmbito de suas atribuições, procurar impedir o mal; considerando que é mau não só o que o é por natureza, mas o que como tal é tido e proibido pela autoridade competente, mesmo que outros digam o contrário; considerando que Deus não pode errar e que, por conseguinte, o que por Ele é proibido não deve ser praticado, e somente a Ele cabe revogar Sua proibição; considerando que Deus, na Sagrada Escritura, capítulo XXII, v. 5, do Deuteronômio, proíbe formalmente que "as mulheres usem vestes masculinas, porque Deus abomina a quem pratica isso"; considerando que não pode Deus errar, e que a severidade com que veda tal prática, declarando abominável a Seus olhos quem a adotar, torna evidente a gravidade do mal que ela encerra; considerando que os interpretes das palavras do escritor sacro confirmam a abominação pelas consequências, quando dizem que a mulher deixando as vestes próprias, deixa também o pudor — "mulier cum veste etiam pudorem exuit"; considerando que seria muito mais agradável à autoridade poder silenciar no caso, se o bem geral não exigisse o contrário; considerando que o Código Penal Brasileiro proíbe o uso das vestes de um sexo pelas do outro, não sendo portanto proibição meramente eclesiástica:

EXCLUÍDAS DOS SACRAMENTOS

"Havemos por bem, muito a contragosto, mas premido pelas circunstâncias, enfrentar diretamente a situação, que está tomando proporções alarmantes nesta cidade e em outras paróquias da Diocese, com a quebra das nobres e honrosas tradições da família bragantina e paulista. Nós cumprimos o Nosso dever; e quem for católico cumpra o seu, obedecendo a seu Bispo e, sobretudo, a Deus.

"Em virtude das razões expostas, somos forçados, pois, a determinar que sejam excluídas da recepção dos Sacramentos até que se emendem, não podendo também servir de madrinhas de batismo, de crisma e de casamentos, todas as mulheres, de qualquer estado ou condição, que, afrontando a proibição divina e estas Nossas determinações, continuarem a usar calças, a modo de homens, ou vierem a usá-las, pelas ruas, em passeios, etc., excetuadas as montarias em viagens a cavalo, tanto mais porque não há necessidade de tal uso, nada havendo que o justifique senão, a insensatez dos que o inculcam.

"Esta proibição não visa, evidentemente, apenas ao momento da recepção dos Sacramentos, mas às atitudes anteriores, o que quer dizer que, embora se apresentem para os Sacramentos em trajes femininos, se, em outras ocasiões, usarem vestes masculinas, estão incursas na proibição".

TAMBÉM AS MÃES

"Em iguais penas incorrem as mães que permitem a suas filhas, mesmo pequenas, tal uso, pois a isso acostumadas desde crianças, com maioria de razão hão de fazê-lo quando crescidas.

"Estamos certo de que, em face das considerações expostas, as pessoas sensatas e os bons católicos estarão ao lado da Igreja".

Termina S. Excia. Revma. determinando que os Sacerdotes sejam inflexíveis no cumprimento de suas determinações, que deverão ser lidas nas igrejas e capelas por um mês seguido e afixadas nos quadros dos avisos paroquiais.

Fonte: Revista Catolicismo 

Sobre Dom José Maurício da Rocha


Dom José Maurício da Rocha nasceu em Lagoa da Canoa, Estado de Alagoas, em 18 de junho de 1885. Estudou no Seminário de Olinda. Ainda jovem seminarista, ele foi apresentado a São Pio X, que ficou admirado com suas qualidades. Foi ordenado sacerdote por Dom Antonio Manuel de Castilho Brandão, na Catedral de Maceió, em 29 de junho de 1908, com dispensa de idade, pois tinha apenas 23 anos. Logo foi designado Professor no Seminário Menor da Diocese de Maceió e Secretário da Cúria Diocesana.

Em 1911, aos 26 anos, o Arcebispo de Salvador na Bahia o nomeou Cônego Honorário da Sé Primacial.

Em 1913, aos 28 anos, o Papa São Pio X concedeu-lhe a dignidade de Monsenhor Camareiro Secreto de Sua Santidade.

Em 10 de maio de 1919, aos 33 anos, o Papa Bento XV o elegeu Bispo de Corumbá, então Estado de Mato Grosso. A sagração episcopal teve lugar na Catedral de Maceió, em 20 de julho do mesmo ano, pelas mãos de Dom Jerônimo Thomé da Silva, Arcebispo Primaz do Brasil, sendo co-consagrantes Dom Manuel Antonio de Oliveira Lopes, Bispo de Maceió, e Dom Jonas de Araújo Batinga, Bispo de Penedo/AL.

Nos oito anos em que foi bispo de Corumbá empreendeu penosas viagens pelo sertão. A Diocese contava então com reduzidíssimo clero e escassos recursos econômicos.

Em 4 de fevereiro de 1927, o Papa Pio XI o transferiu para a recém-criada Diocese de Bragança (na época, o “Paulista” ainda não havia sido acrescentado ao nome da Cidade Episcopal).

Dom José Maurício foi um dos mais influentes bispos brasileiros até sua morte. Monarquista, ferrenho antimodernista, anticomunista e antiliberal, dotado de inteligência privilegiada, vastíssima cultura e piedade exemplar, escreveu inúmeros artigos e cartas pastorais, nos quais revelava seu amor à Igreja e suas preocupações pela defesa da fé e dos costumes, bem como pelos problemas sociais e políticos.

Foi consagrante do Arcebispo Dom Geraldo de Proença Sigaud e dos Bispos Dom Luís Gonzaga Peluso e Dom Germán Vega Campón. Apoiou abertamente Dom Sigaud quando este, em colaboração com Dom Antonio de Castro Mayer, Plínio Correa de Oliveira e Luiz Mendonça de Freitas, publicou o livro Reforma agrária: questão de consciência.

Convocado para o Concílio Vaticano II, antes de se dirigir a Roma, registrou em uma Carta Pastoral sua esperança de que o comunismo fosse solenemente condenado pela Igreja:

“O Brasil acha-se entre dois fogos. De um lado está a Cruz Redentora… per crucem Tuam redemisti mundum, a Cruz de Cristo, que santifica e dá vitória, como a deu a Constantino – in hoc signo vinces, que cintila no azul do céu e rebrilha nas dobras de nossa bandeira, a Bandeira do Brasil. Do outro lado acham-se a foice, que decepa cabeças, e o martelo, que as esmaga. Ou o Brasil ou Moscou. O comunismo está infiltrado em todas as camadas da vida social. Há comunistas por toda a parte, de todas as idades e condições, políticos e não políticos, não sendo poupada para sua infiltração, nem mesmo a Túnica Inconsútil, que, aliás, foi respeitada no Calvário, onde não se atreveram a dividi-la os carrascos de Cristo Senhor Nosso”.

Participou, porém, apenas da Primeira Sessão do Concílio, voltando logo para Bragança Paulista.

Em 1967, o Papa Paulo VI nomeou um Administrador Apostólico para governar a Diocese.

Faleceu no Palácio Episcopal de Bragança Paulista, às 2 horas do dia 24 de novembro de 1969, aos 84 anos de idade, 61 de sacerdócio e 50 de episcopado. Está sepultado na Cripta da Catedral de Bragança Paulista.

N’O Estado de S. Paulo, o jornalista Hélio Damante afirmou: “Somados os prós e contras, Dom Maurício emerge como homem fora de seu tempo, fiel, porém, a tudo aquilo em que cria e a que servia. Seus 42 anos à frente da Diocese de Bragança estão marcados por muitas realizações que farão seu nome lembrado com gratidão… Pode-se dizer que morre com ele uma época da Igreja, da qual foi autêntico representante. Outra já começou, porque a Igreja é eterna”.

Pediu para ser sepultado com os paramentos róseos usados nos domingos Gaudete e Laetare, e para que a missa exequial fosse celebrada em latim. Altas autoridades civis, militares e eclesiásticas e mais de três mil pessoas compareceram ao seu funeral. As exéquias foram oficiadas por Dom Antonio Maria Alves de Siqueira, Arcebispo de Campinas, que na oração fúnebre exclamou: “Deus o guarde. São pequenas as coisas desta vida. Ele era o servo de Deus fiel. Temos fé de que será bem recompensado”.


Jackson um fardo incômodo


por Cunha Alvarenga 
Revista Catolicismo, n° 37 | Janeiro de 1954

De como se pretende transformar a legendaria bengala do fundador do Centro Dom Vital no ridículo guarda-chuva do homem de Munique.

Por ocasião do 25° aniversário da morte de Jackson de Figueiredo, resolveu o sr. Tristão de Athayde desfazer ou atenuar o mal entendido que afirma existir entre aquele inolvidável batalhador da causa católica e a geração que agora se acha na casa dos vinte anos.

Tarefa árdua, pois na realidade consiste em procurar transformar a legendária e temível bengala do grande Jackson no conciliador e ridículo guarda-chuva do sr. Chamberlain, que a tanto equivale tentar fazê-lo passar de discípulo de Louis Veuillot a discípulo do sr. Maritain.

REVOLUÇÃO E REAÇÃO

Jackson de Figueiredo foi um homem marcado e inconfundível. Contra-revolucionário intransigente, proclamava-se abertamente reacionário, e quando pensou em congregar em torno de si um grupo de intelectuais para combater pela boa causa, qual o patrono que escolheu? Dom Vital, o homem do espanto, o Atanásio brasileiro, vítima da conjuração maçônica que solapou o império e que vem infectando a república desde os seus primeiros dias. Pelo seu destemor, pelas suas atitudes definidas em favor de um movimento católico sem compromissos com qualquer espécie de erros, por mais que estivessem em voga, Jackson alardeava esse título de reacionário por bem saber a origem de tal qualificativo em sua acepção pejorativa. Reação e reacionário são ex-pressões exploradas pelos inspiradores da propaganda revolucionária para ferretear seus adversários, sobretudo os ultramontanos, que sempre se colocaram na linha de frente. Tomando a revolução por representativa em grau de monopólio do progresso social e da liberdade, para aqueles fautores do mal reação vem a ser o "esforço de um partido político ou social, para voltar a um estado anterior; — o partido conservador; — Ultramontanismo; — Absolutismo; — qualquer sistema contrário ao progresso social" ( Novo Dicionário da Língua Portuguesa, de Candido de Figueiredo, edição de 1925, época em que Jackson se achava em plena atividade). Do mesmo modo, para os agentes da revolução reacionário significa "relativo ao partido da reação ou ao seu sistema; — Oposto à liberdade; sectário da reação política ou social" ( op. cit. ).

Eis porque em certos círculos infectados pela propaganda revolucionária nunca esteve em voga atribuir a alguém o título elogioso de reacionário. Só mesmo homens com o destemor de um Jackson de Figueiredo seriam capazes de enfrentar esse modo de combater condenado pelas próprias leis da guerra, e que corresponde ao envenenamento das cisternas. Sendo, portanto, incomoda a posição de um Jackson diante da revolução, os adesionistas preferem dar por morta a reação, com o que parece liquidado o assunto. Assim é que o sr. Tristão de Athayde nos afiança fazer parte o reacionarismo daquilo que "parece ter sido levado pelos ventos e tempestades do último quarto do século". Mas Jackson foi um reacionário, eis a pedra no caminho, eis o fato contundente. Como sair, então, da dificuldade? Nada mais fácil: trocando a palavra reação por outra que, por coincidência, lhe é contrária, isto é, revolução. Ao se colocar ao lado da reação, Jackson de Figueiredo estaria pondo os ombros à roda da revolução no sentido atual da palavra. E ao combater a revolução, por conseguinte, seria sua intenção esbordoar a reação em seu sentido ultramoderno. Pode parecer pilhéria, mas não é.

COMO SE MALTRATAM AS PALAVRAS

Eis o que diz o sr. Tristão de Athayde com todas as letras: "Ora, os termos reação e revolução sofreram, nesses vinte e cinco anos, uma transformação semântica considerável. Os termos reação e reacionário passaram a significar poder arbitrário, hipertrofia do Chefe, centralização estatal, neopaganismo político, imperialismo, etc. Enquanto o termo revolução se vem aplicando a toda transmutação profunda de valores, inclusive os mais espirituais. Para as novas gerações, se chamarmos a Jackson de revolucionário estaremos mais próximos da verdade do que lhe dando o qualificativo de reacionário de que ele tanto se orgulhava" ( crônica "Foi há 25 anos", no "Diário" de Belo Horizonte — 29 de novembro e 1o de dezembro de 1953).

Lamentemos ver como assim se infligem maus tratos às palavras, mas não nos devemos espantar com isso. Pois são elas simples meios instrumentais usados pelos homens para se entenderem uns com os outros. Nem sempre, porém, a loquela é empregada para transmitir a verdade e o bem. Pelo contrário, essa terrível arma também se presta para a dissimulação de intenções. Assim é que à argúcia de Jackson não escapava o verdadeiro conceito teórico e prático de revolução. "A revolução é uma arte, diz Olstock Ryder, mas os revolucionários desejariam que acreditássemos ser ela um cataclisma natural, tão inevitável quanto uma erupção vulcânica — um turbilhão espontâneo da revolta popular contra agravos insuportáveis". Como arte, é intento último e principal da revolução "destruir até os fundamentos toda a ordem religiosa e civil estabelecida pelo Cristianismo, levantando à sua maneira outra nova com fundamentos tirados das entranhas do naturalismo" (Leão XIII na Encíclica Humanum Genus). Eis porque ainda hoje repete Pio XII: "Não, não se acha na revolução, diletos filhos e filhas, a vossa salvação" ( alocução sobre a paz para o mundo e a colaboração das classes, de 13 de junho de 1943 ).

VEUILLOT E JACKSON

Não mudou, portanto, o sentido da palavra revolução para os católicos, e se lhe são dadas outras conotações, isto corre por conta de quem tem interesse em fazer uma cortina de fumaça sobre a verdadeira revolução que continua atuando no seio da sociedade contemporânea. Do mesmo modo, os que se opõem aos progressos da revolução continuam a ser reacionários, e é este o sentido autêntico da palavra: reacionário, ultramontano, é aquele que se opõe ao espírito revolucionário, desagregador das bases naturais e sobrenaturais da sociedade humana remida pelo Sangue de Nosso Divino Salvador.

Se vivo fosse, coerente e desassombrado como era em suas atitudes, continuaria Jackson a remar contra a corrente revolucionária, não dando margem ao menor mal-entendido entre a nova geração e a sua figura ímpar, quanto à mensagem de fogo que nos veio trazer.

Reacionário e ultramontano, tinha Jackson de Figueiredo em Louis Veuillot seu modelo em ortodoxia, em combatividade, em intransigência diante dos direitos da verdade. Não basta, portanto, tentar transformar o Jackson reacionário em um Jackson revolucionário. Seria também indispensável remover essa identidade de ponto de vista existente entre Veuillot e Jackson. Pois bem. Depois de citar a conhecida frase de Veuillot: "Le monde sera socialiste ou chrétien, il ne sera pas liberal", comenta o sr. Amoroso Lima: "O mundo de hoje não é nem socialista, nem cristão, nem liberal. Veuillot partiu do falso postulado de que o mundo seria necessariamente uma só coisa, one world. O mundo de hoje é pluralista. É ao mesmo tempo liberal, socialista e cristão. E outras coisas mais. Essa é a realidade histórica que um Maritain viu infinitamente melhor que um Veuillot. E acredito que o Jackson teria chegado ao mesmo resultado que Maritain. A menos que, por temperamento, desembocasse na catástrofe apocalíptica de Bernanos" ( art. citado ).

A OPÇÃO DO MUNDO MODERNO

De modo que, se ainda vivesse, não haveria outro remédio para Jackson: ou teria que trocar a bengala de sua intrepidez e de sua intransigência pelo guarda-chuva do pluralismo maritaineano, ou então teria que descambar para os desatinos de um Bernanos. Tamanha é a intolerância do sr. Tristão de Athayde que não admite nem sequer que Jackson permanecesse fiel a si mesmo, o que equivale dizer: fiel à Igreja que ele punha como razão norteadora de toda a sua atividade, e ao pensamento político contra-revolucionário que ainda era uma forma de trazer para a arena político-social a defesa da causa católica.

Quando vemos em vésperas de realização as previsões de Veuillot sobre o futuro do mundo, quando, pelos quatro pontos cardeais e num crescendo assustador, a apostasia liberal vai cedendo lugar à apostasia socialista, quer em sua forma crua e declarada, como por detrás da cortina de ferro, quer em sua forma farisaica, através do último estágio da decomposição do democratismo liberal, segundo o qual a lei passa a ser a expressão do número ou da vontade geral manifestada pela alquimia de duvidosos sufrágios demagógicos, — quando Pio XII nos aponta a terrível imagem do Leviatã socialista como um dos maiores flagelos que ameaçam a sociedade humana em nossos dias, vem o trêfego sr. Tristão de Athayde nos dizer que nada nos resta fazer senão nos conformarmos com o liberalismo e com o socialismo e "com outras coisas mais", pois a época é do pluralismo. ... Resta saber se o socialismo segue o figurino pluralista do sr. Maritain no que diz respeito ao Cristianismo, ou se, pelo contrário, como última etapa da revolução, seu fito não será, segundo advertência do Papa, destruir até os fundamentos toda a ordem religiosa e social estabelecida pela Igreja.

Anti-liberal e anti-socialista em uma época em que os estragos causados pelo liberalismo já eram arqui-evidentes e em que os males do socialismo em grande parte apenas podiam ser vislumbrados, hoje em que a fase liberal já se acha superada, e quando o socialismo promove verdadeiras devastações no mundo universo, esse grande espírito que foi Jackson de Figueiredo, se ainda estivesse entre nós, continuaria por certo a dizer, com Veuillot, que a opção para a humanidade não se acha entre o Cristianismo e as meias tintas da mediocridade liberal, mas entre a Igreja e o dragão socialista, último estágio daquela revolução a que de Maistre dava o nome de satânica.

Verdadeiramente, Jackson é um fardo incômodo para aqueles que largaram sua bandeira em meio do caminho e que trocaram Dom Vital e Veuillot pelo infeliz Dom Lacerda e por Maritain. Apresentemos à atual geração o Jackson autêntico, reacionário e ultramontano, afastando desses qualificativos toda a peçonha que lhes procura inocular a propaganda revolucionária. Eis o único modo de desfazer quaisquer possíveis mal entendidos entre esse grande paladino e a mocidade inteligente e generosa de nossos dias.

Retorno sincero à Igreja Católica

 

Remédios eficazes: volta ao Cristianismo

De tal apostasia sacrílega derivou a desorganização da vida prática. Ao seio do Cristianismo deve, portanto, retornar a transviada sociedade, se quiser o bem-estar, o repouso e a salvação. Assim como o Cristianismo torna as almas melhores, penetrando na vida pública de um Estado, também o revigora na ordem; com a ideia de um Deus que a tudo provê, infinitamente bom e justo, infunde na consciência o sentimento do dever, suaviza os sofrimentos, acalma os rancores, inspira o heroísmo. Se conseguiu transformar os pagãos, o que foi uma verdadeira ressurreição, pois que cessava a barbárie onde surgia o Cristianismo, do mesmo modo vencerá o terrível abalo da incredulidade, endireitando e recolocando na ordem os Estados e a sociedade humana hodierna.

Retorno sincero à Igreja Católica

Mas ainda não é tudo; o retorno ao Cristianismo não será remédio verdadeiro e eficaz, se não significar retorno e amor à Igreja una, santa, católica, apostólica. Sim, por que o Cristianismo atua e se identifica com a Igreja Católica, sociedade soberanamente espiritual e perfeita, que é o Corpo místico de Jesus Cristo, e tem por chefe visível o Pontífice Romano, sucessor do Príncipe dos Apóstolos. É ela a continuadora da missão do Salvador, filha e herdeira da sua Redenção; foi Ela que propagou o Evangelho sobre a Terra, difundiu-o com o preço do seu sangue; e é ainda Ela que, conforme a promessa da assistência divina e da imortalidade, jamais pactuando com o erro, realiza a missão de conservar na íntegra a doutrina de Cristo até o fim dos séculos.

Mestra legítima da moral evangélica, não só se tornou a consoladora e salvadora das almas, a fonte perene de justiça e caridade, como também a propagadora e tutora da verdadeira liberdade e da única liberdade possível. Aplicando a doutrina de seu divino Fundador. Mantém com ponderado equilíbrio os justos limites em todos os direitos e em todas as prerrogativas da coletividade social. A igualdade que proclama conserva intactas as distinções das várias classes sociais, evidentemente requeridas pela natureza; a liberdade que apregoa, a fim de impedir a anarquia da razão emancipada da fé e abandonada a si própria, não lesa os direitos da justiça, que são superiores aos no número e da força, nem os direitos do Deus, que são superiores ao do homem.

E não é menos fecunda em bons efeitos da ordem doméstica. Porque não só resiste aos atentados licenciosos da incredulidade contra a família, mas prepara e conserva a união e a estabilidade conjugal, nela protegendo e promovendo a honestidade, a fidelidade, a santidade. Ao mesmo tempo sustenta e consolida a ordem civil e política, de um lado ajudando eficazmente a autoridade, e de outro, colocando-se a favor das sábias reformas, das justas aspirações do povo, impondo respeito e obediência aos governantes, e sempre defendendo os direitos imprescritíveis da consciência humana. Deste modo, os povos obedientes à Igreja se mantiveram, graças a Ela, igualmente distantes da servidão e do despotismo.


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Carta Encíclica "Parvenu à la vingt-cinquième année"
Em Português: SOBRE A IGREJA CATÓLICA 
Papa Leão XIII | 19 de Março de 1902


Preparem-se!

"Preparem-se. Nos próximos anos a desordem do mundo atingirá o patamar da alucinação permanente e por toda parte a mentira e a insanidade reinarão sem freios. Não digo isso em função de nenhuma profecia, mas porque estudei os planos dos três impérios globais e sei que nenhum deles tem o mais mínimo respeito pela estrutura da realidade. Cada um está possuído pelo que Eric Voegelin chamava "fé metastática", a crença louca numa súbita transformação salvadora que libertará a humanidade de tudo o que constitui a lógica mesma da condição terrestre. Na guerra ou na paz, disputando até à morte ou conciliando-se num acordo macabro, cada um prometerá o impossível e estreitará cada vez mais a margem do possível. 

A Igreja Católica é a única força que poderia, no meio disso, restaurar o mínimo de equilíbrio e sanidade, mas, conduzida por prelados insanos, vendidos e traidores, parece mais empenhada em render-se ao espírito do caos e fazer boa figura ante os timoneiros do desastre. No entanto, no fundo da confusão muitas almas serão miraculosamente despertadas para a visão da ordem profunda e abrangente que continua reinando, ignorada do mundo. Muitas consciências despertarão para o fato de que o cenário histórico não tem em si seu próprio princípio ordenador e só faz sentido quando visto na escala da infinitude, do céu e do inferno. Essas criaturas sentirão nascer dentro de si a força ignorada de uma fé sobre-humana e nada as atemorizará."

Olavo de Carvalho, Facebook, 25 dezembro 2013.

Carta Encíclica Sobre a Igreja Católica - Papa Leão XIII


Carta Encíclica "Parvenu à la vingt-cinquième année"

Em Português: SOBRE A IGREJA CATÓLICA 

Papa Leão XIII | 19 de Março de 1902

Carta Encíclica

A todos os Patriarcas, Primazes, Arcebispos e Bispos do mundo católico: sobre a Igreja Católica.

Veneráveis Irmãos, saúde e Benção Apostólica.

Introdução

Sentimento de gratidão para com Deus

1. Chegados ao vigésimo quinto ano de nosso ministério apostólico, e maravilhando-Nos à vista do árduo caminho percorrido, sentimo-Nos naturalmente impelidos a erguer o pensamento ao Deus Benigno, que nos quis conceder tantos benefícios, e uma duração de Pontificado como poucos se encontram na História. Ao Pai de todos, Aquele que tem em suas mãos o segredo da vida, brota espontaneamente, como viva necessidade do coração, o hino do agradecimento. Certamente não pode o olhar humano penetrar os desígnios divinos sobre tão extraordinária e inesperada longevidade, e Nós os devemos adorar em silêncio; uma coisa, porém, bem sabemos, e é que, se lhe aprove e ainda apraz conservar a nossa existência, incumbe-Nos a altíssima obrigação de viver para o bem e trabalhar para o incremento de sua imaculada esposa, a Igreja, e de não esmorecer na solicitude e na dedicação, consagrando a esse fim o último impulso de nossas forças. 

Palavras de reconhecimento ao Episcopado

2. Cumprido esse dever de reconhecimento para com nosso Pai que está no céu, a quem sejam dadas honra e glória eternas, torna-se mui grato dirigirmos o pensamento e a palavra até vós, Veneráveis Irmãos, que fostes chamados pelo Espírito Santo a guiar porções eleitas da Igreja de Jesus Cristo, e que por isso participastes das Nossas lutas e triunfos, das dores e alegrias do ministério pastoral. Não, jamais se separarão de nossa memória as preclaras e múltiplas provas de religioso obséquio, que nos tendes dado durante o longo percurso de nosso Pontificado, repetidas com maior carinho na presente conjuntura. Unidos a vós intimamente, por dever de ofício e pastoral afeto, sobremodo grato nos confessamos aos vossos devotos testemunhos, não tanto pelo que concerne a nossa pessoa quanto pelo alto significado que assumem de adesão a esta Sé Apostólica, centro e sustentáculo de todas as mais no mundo católico. Se sempre foi necessário a toda a hierarquia da Igreja, conservar-se zelosamente unida na caridade recíproca, na comunhão das ideias e propósitos, formando um só coração e uma só alma, mais necessário ainda se torna nos tempos que correm. Quem pode, com efeito, ignorar a imensa conspiração de forças hostis que hoje visa abalar e arruinar a grande obra de Jesus Cristo, tentando, com uma pertinácia que não conhece limites, destruir na ordem intelectual o tesouro da doutrina celeste, e subverter na ordem social as mais salutares instituições cristãs? Mas vós já conheceis de perto essas coisas, pois muitas vezes tendes manifestado vossa preocupação e angústia, lamentando a avalanche de preconceitos, de falsos sistemas e de erros, que se vão propagando a mancheias, no seio da multidão. Quantas ciladas se armam em torno das almas crentes! Com quantas dificuldades se procura diariamente enfraquecer e tornar, se possível, nula a ação benéfica da Igreja! E, na expectativa disso, agravando ainda mais a injustiça, lança-se irrisoriamente contra a mesma Igreja a acusação de não saber recuperar a virtude antiga e impedir a invasão de paixões torpes, que ameaçam tudo levar à extrema ruína.

Tema desta carta Apostólica

3. Bem quiséramos entreter-vos, Veneráveis irmãos, com assunto menos triste e que melhor harmonizasse com a feliz ocasião que nos leva a vos falar. Mas semelhantes expressões não o permitem nem as graves provações da Igreja, que instantemente reclamam socorro, nem as condições da sociedade contemporânea, a qual, já fortemente abalada moral e materialmente, marcha para destinos ainda mais tristes, pelo abandono das grandes tradições cristãs, seguindo uma lei da providência, confirmada pela História, de que não é possível calcar aos pés os grandes princípios religiosos, sem solapar consequentemente as bases da ordem e da prosperidade social. Nestas circunstâncias, para facultar às almas que recuperem alento, para restabelecê-las de fé e coragem, parece-Nos oportuno e útil considerar, em sua origem, em suas causas, em suas múltiplas formas, a guerra implacável que se move à Igreja, e, denunciando suas funestas consequências, assinalar-lhes o remédio. Soem, portanto, bem alto quanto possível, as Nossas palavras, e não apenas aos devotos filhos da unidade católica, mas também aos dissidentes e infelizes incrédulos, já que são todos filhos do mesmo Pai celeste, e criados para o bem supremo. E é quase como um testamento que, pouco distante como estarmos da porta da eternidade, queremos deixar aos povos nosso desejo e augúrio de comum salvação.

I - AS PERSEGUIÇÕES DA IGREJA

Nos séculos anteriores à pseudo-reforma

4. A Santa Igreja de Cristo teve que combater e sofrer, em todos os tempos, contradições e perseguições pela verdade e pela justiça. Instituída por Ele próprio a fim de estender ao mundo o reino de Deus, e por meio da luminosa lei evangélica conduzir a humanidade decaída a um destino sobrenatural, isto é, à aquisição dos bens imortais por Deus prometidos, mas superiores às nossas forças, lutou necessariamente contra as paixões que pululam aos pés da antiga decadência e corrupção, isto é, contra o orgulho, a cupidez e o amor desenfreado dos gozos terrenos, e contra os vícios e desordens que daí procederam, os quais sempre encontravam na Igreja a mais poderosa barreira.

5. Não é, porém, o fato dessas perseguições motivo de espanto, se foram pelo Divino Mestre preditas e sabemos que durarão tanto quanto o mundo. Que disse Ele, com efeito, aos seus discípulos, enviando-os a espalharem o tesouro de sua doutrina a todos os povos? Ninguém o ignora: “Sereis perseguidos de cidade em cidade, sereis odiados e vilipendiados pelo meu nome, sereis arrastados aos tribunais e condenados ao suplicio”. E, querendo encoraja-los à prova, apresentou-se como exemplo: “Se o mundo vos odeia, sabei que, primeiro que a vós, me odiou a mim: si mundus vos odit, scitote quia me priorem vobis ódio habuit” (Jô 15, 18). Eis a alegria, eis a recompensa que lhes prometeu.

6. Ninguém, por certo, que possua o critério de uma justa e honesta estimação das coisas, saberá explicar o motivo desse ódio implacável. Que mal fez ou em que desmereceu o Divino Redentor? Descendo até aos homens pelo impulso de uma caridade infinita, ensinou uma doutrina imaculada, confortadora, eficacíssima para irmanar os homens na paz e no amor; não desejou grandezas terrenas nem honrarias, não usurpou o direito de ninguém; foi, ao contrário, infinitamente compassivo para os fracos, os doentes, os pobres, os pecadores e oprimidos, tendo passado a sua vida a espalhar, por entre os homens, prodigamente, os benefícios divinos. Desnecessário se torna dizer que, pela excessiva malícia humana, tanto mais deplorável quanto mais injusta, tornou-se Ele, como o profetizara o velho Simeão, um verdadeiro sinal de contradição: signum cui contradicetur (Lc 2, 34).

7. Não admira, portanto, que a Igreja Católica, continuadora de sua missão divina, e depositária incorruptível de sua verdade, tenha encontrado a mesma sorte de seu Mestre. O mundo é sempre o mesmo; estão constantemente contra os filhos de Deus os satélites desse grande inimigo do gênero humano que, rebelde ao Altíssimo desde o início, é designado no Evangelho como o príncipe deste mundo. Por isso, em face da lei e daquele que a apresenta em nome de Deus, sente o mundo revoltar-se, em desmedido orgulho, o espírito de uma independência a que não tem direito. Ah! Quantas vezes em tempos mais procelosos coligaram-se, com inaudita crueldade e autêntica injustiça, seus inimigos, afim de loucamente destruir a obra divina, com evidente prejuízo para a comunhão social.

8. E não o conseguindo com uma forma de perseguição, tentavam logo outra. O Império Romano, por três longos séculos, abusando da força brutal, multiplicou mártires, que com seu sangue banharam toda esta Roma sagrada. Logo após, a heresia, ora dissimulada, ora impudente, por meio do sofisma e da insídia, procurava ao menos romper-lhe a harmonia e a unidade. Desencadeou-se, depois, como devastador vendaval, a invasão setentrional dos Bárbaros, e meridional do Islamismo, deixando após si a ruína e o deserto. E deste modo, extravasando-se de século em século a triste herança do ódio contra a Esposa de Cristo, sucede um cesarismo que, suspeitoso e prepotente, invejoso da grandeza alheia, embora nenhuma se lhe avantajasse, renova sem tréguas os assaltos para conculcar a liberdade e usurpar o direito. Sangra-nos o coração ao vê-la assim oprimida, tantas vezes, por angústias e dores inenarráveis. Todavia, triunfando de todos os obstáculos, violências e opressões, dilatando sempre mais sua pacífica tenda, salvando o glorioso patrimônio da arte, da ciência, das letras, e fazendo penetrar profundamente na sociedade humana o espírito do Evangelho, formou esta civilização que foi chamada cristã, que trouxe às nações, que não lhe impediram a benéfica influência, a equidade das leis, a elevação dos costumes, a proteção aos fracos, a compaixão para os pobres e infelizes, o respeito ao direito e à dignidade de todos, e ainda, quanto é possível dentro da humana inconstância, a paz na vida civil, que deriva da perfeita harmonia entre a liberdade e a justiça.