quarta-feira, 29 de junho de 2022

“Non M' Impugnare Senza Valore”

"Não me desembainhar sem razão. 
Não me empunhar sem valor."

Não há apenas beligerância em um líder nobre. O "Non M' Impugnare" expressa com elegância e quase modéstia um senso de proporcionalidade, adequação e último recurso. 

Um convite educado para evitar qualquer forma de desvio, orgulho e arrogância: racionalidade, excelência de espírito e valor, acima de tudo ético, mas também técnico, se fundem como se funde uma espada, dando-lhe uma subjetividade apelativa, um instrumento dotado de personalidade e missão, para com o seu dono.

Todo dote sorteado, toda vocação treinada e abençoada, toda ação deve seguir o caminho traçado por esse aforismo, se não se quer cair na armadilha do uso e abuso de si mesmo, da sujeição narcisista de seu ser.

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Estátua de João de Médici, mais conhecido como João das Bandas Negras (em italiano: Giovanni dalle Bande Nere) - Galleria degli Uffizi, Florença, Itália.


Texto: Aqui

sábado, 4 de junho de 2022

Sobre o orgulho

Bajazeto I, O Coxo 
Tamerlão, O Caolho.
Cortezão, O Verme Luzente
O ORGULHO
por V. Marchal


O orgulhoso recolhe o opróbrio, em primeiro lugar, porque se torna ridículo. A sede de louvores o fá-lo desatinado. A propósito de tudo falará de si ou do que lhe respeita: ora o eu, diz Paschall, é sempre odioso. Falará do que ignora com todo o entono de um entendedor, e será o único a não se rir de suas tolices. Não sabendo nada e querendo dizer coisas de importância, dirá coisas extravagantes.


Se disserta ou discute, é necessário que lhe dêem razão, fosse embora convencido de que a não tem: e, ainda que esteja em bom campo, procede de forma que não tem razão pela maneira porque raciocina. Se apresenta um sentimento, é com a condição de ser aceito, sem se discutir, se batem em retirada por delicadeza, ele triunfa aplaudindo-se da vitória. Reconhece dois papas e, aos seus olhos, o mais infalível não é o que se pensa. É daqueles de quem se mofa ou de quem a gente se separa, sem se dar ao trabalho de os aborrecer. Desses é que deixou dito o Espírito Santo: "Aquele que não pode reter o seu espírito ao falar é como uma cidade aberta e sem muralhas" (Provérbios XXV, 10). "A conversa do insensato é como um fardo que nos pesa nas jornadas" (Eclesiástico XXI, 19). "O homem de juízo oculta seu saber; o coração do insensato dá-se pressa em manifestar sua loucura" (Provérbios XII, 23). "Aquele que guarda a boca, guarda a alma; mas o falador indiscreto expõe-se a muitos males" (Provérbios XIII, 3). "A língua do insensato é uma vara de orgulho; despedaça-o a ele próprio e seus lábios são a ruína de sua alma" (Provérbios XVIII, 7).


A falta de mérito real, o orgulho tirará vaidade do que não presta para nada. Afetará na sua pessoa e no seu porte maneiras impossíveis; ou até se julgará de uma raça diferente do comum dos humanos, lá porque despertou um dia, graças à morte repentina de algum velho tio, senhor de meio milhão.


Ora, ás meditações daqueles que se sentirem achacados desta fatuidade, pode propor-se a seguinte história:


Bajazeto I, imperador dos Turcos, era coxo; Tamerlão, imperador dos Mongóis, era cego de um olho. Tendo o primeiro sido vencido pelo segundo, na famosa Batalha de Ancara, foi conduzido a presença do seu vencedor; e Tamerlão, ao ver coxear o prisioneiro, desatou a rir. Bajazeto, achando que o Tártaro zombava dele, gritou: Por que está rindo assim, Tamerlão? Não sabes que a fortuna, que hoje te sorri, pode amanhã mostrar-se bem triste? Longe de mim rir de seu infortúnio, responde o Tártaro; mas, ao ver tua enfermidade e a minha, não posso deixar de dizer a mim mesmo: É necessário que os impérios e as riquezas sejam de muito pouco valor aos olhos d'Aquele que está no Alto para que as prodigalise a homens tão mal formados como nós!


O apetite desregrado da glória expõe o homem ao opróbrio, sugerindo-lhe passos aviltantes. Há eminências onde se não chega senão caminhando de rastos, honra que se não compram senão por genuflexões.


É este apetite imoderado das honras que faz a fortuna de todos o passamaneiros e de todos os governos que se levantam.


É ele que faz do povo mais generoso, mais bravo e mais amável da terra, o povo menos governável e o mais governado! São as pretensões sem motivo que impedem a nossa pátria de assentar a sua paz; e as revoluções que a comovem e agitam, não são, o mais das vezes, senão a explosão estéril da cólera das vaidades descontentes contra as vaidades satisfeitas.


É a essa sede de subir que todas as cortes deveram e devem ainda essa elegante ignomínia que se chama um cortezão. Vede esse homem que abafa seus sentimentos, dissimula suas opiniões, faz calar a consciência, atraiçoa os amigos, espia um sopro para soprar, um sinal para falar; é um cortezão. Sempre disposto a vender seu Deus e sua alma, por um favor, está curvado pelo hábito da reverência, arrugado pelo falso sorriso, emagrecido pela inveja. Empalidecido pelo anojo, bem como pelas freimas, só conhece um deus, a sua ambição; uma audácia, a da calúnia: um receio, o de desagradar, dizendo a verdade; um fim, subir para se vingar do suplício que lhe inflige o sentimento íntimo da sua própria abjeção. É um verme luzente, isto é, um animal que rasteja e brilha.


-- Retirado do livro "O homem como deveria sê-lo", de V. Marchal.