sexta-feira, 11 de setembro de 2020

A Cristo na cruz - Padre Baltasar Estaço

A Cristo na cruz


O bem que a tantos bens me convidava,

O qual desmereci, vós merecestes

Que a vida que por meu amor perdestes,

A vida me alcançou que eu desejava.


O mal que a tantos males me obrigava,

O qual não satisfiz, satisfizestes,

Que a morte que por meu amor sofrestes,

Da morte me livrou, que eu receava.


A vós Deus amoroso, a vós só amo,

De vós pratico, só, de vós escrevo,

Por vós a vida dou, e a morte quero,


Em vós fogo de amor, em vós me inflamo,

Pois que pago por vós o mal que devo,

E mereço por vós, o bem que espero.


Autor: Padre Baltasar Estaço (Portugal 1570 - 16--?)

quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Falando com Deus - Jerónimo Baía

Falando com Deus


Só vos conhece, amor, quem se conhece;

Só vos entende bem quem bem se entende;

Só quem se ofende a si, não vos ofende,

E só vos pode amar quem se aborrece.


Só quem se mortifica em vós floresce;

Só é senhor de si quem se vos rende;

Só sabe pretender quem vos pretende,

E só sobe por vós quem por vós desce.


Quem tudo por vós perde, tudo ganha,

Pois tudo quanto há, tudo em vós cabe.

Ditoso quem no vosso amor se inflama,


Pois faz troca tão alta e tão estranha.

Mas só vos pode amar o que vos sabe,

Só vos pode saber o que vos ama.



Autor: Jerónimo Baía (Portugal 1620/30-1688)

sábado, 11 de julho de 2020

O canto gregoriano

Esplendores da Cristandade

O canto gregoriano

Expressão musical da autêntica espiritualidade católica, nos dias atuais parece ressurgir das cinzas e encanta os católicos no mundo inteiro.

por Marcos Luiz Garcia

Eles estão sorrindo! Como é possível?! — exclamou Nero, imperador romano do primeiro século da era cristã, ao entrar na arena para se deleitar com a visão dos restos esparsos pelo chão, ainda quentes e sangrentos, das vítimas de mais um espetáculo que acabara de promover.

O mesmo estupor invadia as centenas ou milhares de espectadores que afluíam frenéticos ao Coliseu (algo à maneira de certas torcidas futebolísticas de hoje). Iam assistir ao dantesco espetáculo das feras devorando cristãos, mas acabavam presenciando os mais admiráveis atos de coragem e fidelidade à fé de Jesus Cristo.

Aos poucos a noite caía, o silêncio dominava a cidade, o monumental centro de espetáculos ficava entregue às sombras, isolado e frio, sem viva alma. Era o momento em que, correndo sérios riscos, pequenos grupos de cristãos, prevalecendo-se das penumbras e da escuridão, se esgueiravam céleres a recolher os restos dos mártires, para levá-los às profundidades das catacumbas.

Num misto de veneração e tristeza, com lágrimas brotadas de uma dor profunda e ao mesmo tempo de uma resolução inabalável de fazer triunfar a santa Religião de Jesus Cristo, eles depositavam aqueles restos sagrados sobre mesas de pedra.

Tinha início comovente cerimônia. O bispo, sagrado por um dos Apóstolos, celebrava a Santa Missa, enquanto eram entoados cânticos próprios para aquela circunstância.

Gregoriano: o canto sacro católico que nasce

O que cantavam esses primeiros cristãos? Com certeza entoavam algum hino característico da tradição judaica, mas que aos poucos foi sendo aprimorado pela influência que o Espírito Santo exercia nos corações daqueles heróicos cristãos.

O cântico foi ganhando expressão nova, viva e impregnada de sobrenatural. Um timbre nunca observado antes, uma densidade desconhecida na sinagoga decadente daquela época, uma luz que abria sendas rumo ao futuro. Assim, o cântico sacro católico começou a desabrochar, como que regado pelo sangue dos mártires e pelo ardor invencível dos primeiros católicos. Era uma expressão, em última análise, do amor de Deus que dominava aqueles corações e almas fiéis.

Ao lado do crescimento do espírito religioso, um novo estilo de vida, uma nova maneira cristã de conduzir a existência temporal começou a nascer e a se expandir, primeiro dentro das catacumbas, depois para fora daquelas grutas insalubres. Todo um conjunto de valores, à maneira de uma árvore cheia de flores, começou a abrir suas pétalas e a perfumar o ambiente pagão da época.

O fogo de Pentecostes transformara-se num incêndio de grandes proporções. Contrapondo-se ao mundo pagão, às perseguições, às feras, aos constantes martírios, ia se consolidando cada vez mais a Igreja, que Nosso Senhor Jesus Cristo fundara com sua Paixão e morte redentora. Dos subterrâneos corredores catacumbais a Igreja chegou à superfície. Conquistou a mãe do imperador e fez dela uma santa; converteu o próprio imperador Constantino, que deu liberdade ao cristianismo. Depois ele mudou seu governo para Constantinopla, permanecendo em Roma a sede da Igreja Católica.

Como veremos, essa mudança contribuiu para que o canto sacro católico pudesse desabrochar com características próprias.

Aos poucos, o canto gregoriano torna-se a “voz” da Igreja

Em cumprimento à ordem “Ide e pregai o Evangelho a todos os povos”, expressa por Nosso Senhor, os cristãos expandiram-se para outras áreas de civilização. E o canto sacro foi recebendo organicamente as mais diversas influências dos gregos, egípcios e outros povos, dando origem a um conjunto variado, mas sem ainda uma expressão de unidade.

No final do século VI, a Providência Divina suscitou o Papa Gregório I que, pelo imenso contributo prestado ao bem da Santa Igreja, mereceu o título de Magno, e depois a glória dos altares. De nobre família romana, admirável cultor da música, conseguiu, a partir do estudo e ordenação das peças litúrgicas praticadas nos vários quadrantes onde se expandira a Igreja, disciplinar tanto a liturgia quanto a música sacra. Graças a seu êxito em manter o autêntico espírito sobrenatural do canto, a liturgia preservou a graça que estava conquistando o mundo e santificando cada vez mais as almas.

É oportuno lembrar aqui a definição de liturgia que Ismael Fernández apresenta em seu Curso Elementar de Canto Gregoriano: “Liturgia é a ação sacerdotal de Jesus Cristo, continuada na Igreja e pela Igreja sob a ação do Espírito Santo, por meio da qual ‘atualiza’ a sua obra salvadora através de sinais eficazes, dando assim um culto perfeito a Deus e comunicando aos homens a salvação”.1

São Gregório Magno conseguiu não só aprimorar como também dar unidade e definição ao canto sacro, fato que acabou ligando até hoje seu nome a esse estilo de canto: gregoriano.

A partir de São Gregório Magno, a mais autêntica expressão sonora do espírito da Igreja definiu-se, ganhando novo impulso de expansão e elevação. O canto gregoriano tornou-se, por assim dizer, “a voz da Igreja”.

quinta-feira, 11 de junho de 2020

A “CESSAÇÃO DO SACRIFÍCIO PÚBLICO” - CASTIGOS DE DEUS E CONVERSÃO.

 


Entrevista a “The Remnant” 

em 29.03.2020

 

Diane Montagna (DM): Excelência, qual é a sua impressão geral sobre o modo como a Igreja está lidando com a epidemia de coronavírus?

 

+ Athanasius Schneider: Minha impressão geral é que a maioria dos bispos reagiu precipitadamente e em pânico ao proibir todas as missas públicas e - o que é ainda mais incompreensível - ao fechar as igrejas. Tais bispos reagiram mais como burocratas civis do que pastores. Ao se concentrarem exclusivamente em todas as medidas de proteção higiênicas, eles perderam a visão sobrenatural e abandonaram a primazia do bem eterno das almas.

 

DM: A diocese de Roma suspendeu rapidamente todas as missas públicas para cumprir as diretrizes do governo. Os bispos de todo o mundo adotaram medidas semelhantes. Os bispos poloneses, por outro lado, pediram que mais missas fossem celebradas para que a aglomeração fosse menor. Qual a sua opinião sobre a decisão de suspender as missas públicas para impedir a disseminação do coronavírus?

 

Enquanto os supermercados estiverem abertos e acessíveis e enquanto as pessoas tiverem acesso ao transporte público, não se vê uma razão plausível para proibir as pessoas de assistirem à Santa Missa em uma igreja. Poderiam se garantir nas igrejas as mesmas e ainda melhores medidas de proteção higiênica. Por exemplo, antes de cada missa, é possível desinfetar os bancos e as portas, e todo mundo que entrar na igreja pode desinfetar as mãos. Outras medidas semelhantes também podem ser tomadas. Pode-se limitar o número de participantes e aumentar a frequência da celebração da missa. Temos um exemplo inspirador de uma visão sobrenatural em tempos de epidemia no presidente da Tanzânia, John Magufuli. O Presidente Magufuli, que é católico praticante, disse no domingo, 22 de março de 2020 (domingo Laetare), na Catedral de São Paulo, na capital da Tanzânia, Dodoma: “Insisto com vocês, meus irmãos cristãos e até muçulmanos: não tenham medo, não parem de se reunir para glorificar a Deus e louvá-lo. Por isso, como governo, não fechamos igrejas ou mesquitas. Em vez disso, elas devem estar sempre abertas para o povo buscar refúgio em Deus. As igrejas são lugares onde as pessoas podem buscar a verdadeira cura, porque ali reside o Deus verdadeiro. Não tenha medo de louvar e buscar o rosto de Deus na igreja. ”

 

Referindo-se à Eucaristia, o Presidente Magufuli também falou estas palavras encorajadoras: “O coronavírus não pode sobreviver no corpo eucarístico de Cristo; em breve será queimado. Foi exatamente por isso que não entrei em pânico ao receber a Santa Comunhão, porque sabia que com Jesus na Eucaristia, estou seguro. Este é o momento de construir nossa fé em Deus. ”

 

DM: Vossa Excelência acha que é responsável um sacerdote celebrar uma missa particular com alguns fiéis leigos presentes, desde que sejam tomadas as devidas precauções de saúde?

 

É responsável, e também meritório, e seria um autêntico ato pastoral, desde que o sacerdote tome as precauções sanitárias necessárias.

 

DM: Os padres estão em uma posição difícil nessa situação. Alguns bons padres estão sendo criticados por obedecer às diretrizes de seu bispo para suspender as missas públicas (embora continuem a celebrar missas em particular). Outros estão procurando maneiras criativas de ouvir confissões enquanto procuram proteger a saúde das pessoas. Que conselho você daria aos padres para viverem sua vocação nesses tempos?

 

Os padres devem lembrar que eles são, acima de tudo, pastores de almas imortais. Eles devem imitar a Cristo, que disse: “Eu sou o Bom Pastor. O bom pastor dá a vida por suas ovelhas. Quem é mercenário e não pastor, que não é o proprietário das ovelhas, vê o lobo chegando, abandona as ovelhas e foge; e o lobo as agarra e dispersa. Ele foge porque é mercenário e não se importa com as ovelhas. Eu sou o Bom Pastor. Eu conheço minhas ovelhas, e minhas ovelhas me conhecem. (João 10: 11-14) Se um sacerdote observa de maneira razoável todas as precauções de saúde necessárias e usa de discrição, ele não precisa obedecer às diretrizes de seu bispo ou do governo para suspender a missa para os fiéis. Tais diretrizes são uma lei humana pura; no entanto, a lei suprema da Igreja é a salvação das almas. Os padres em tal situação precisam ser extremamente criativos para prover aos fiéis, mesmo para um pequeno grupo, a celebração da Santa Missa e a recepção dos sacramentos. Tal era o comportamento pastoral de todos os padres confessores e mártires em tempos de perseguição.

 

sábado, 2 de maio de 2020

Como o católico deve se comportar diante do atual cenário político?

Muitos se perguntam como o católico deve se comportar diante do atual cenário político dessacralizado onde comunistas, liberais e pessoas com todos os tipos de posições e pensamentos assumiram, no Brasil e em vários outros países do mundo, os principais cargos políticos existentes. 

Mais recentemente, após a eleição de Jair Bolsonaro, surgiram aqueles católicos extremamente críticos não só ao Presidente mas também aos judeus como um todo, chegando a ponto de realizarem críticas ásperas e pesadas contra eles. Tais católicos inclusive tomam posição contra os judeus no embate que envolve a Terra Santa (Israel foi criado em 1948 e muitos dos islâmicos nunca aceitaram e nem reconheceram esta situação). 

Pois bem, vamos tratar, neste artigo, sobre como se comportar diante destas questões de acordo com as orientações dadas pelas legítimas autoridades católicas e pelos moralistas aprovados por elas. 

Comecemos pela questão relacionada ao apoio por parte dos fieis a candidatos menos indignos, diante de outros mais indignos e perseguidores da religião. Sobre isso, vejamos o que ensinou São Pio X nas instruções dadas em 1909 aos diretores do Partido Integralista Espanhol, quando os filhos da Maçonaria batiam pesado na Igreja Católica, bem como os comunistas. Vamos ver se São Pio X mandou atacar violentamente aqueles que se deixavam influenciar pelas doutrinas inovadoras ou, contrariamente, orientou os bons católicos até mesmo a os apoiarem (desde que na falta de candidatos realmente católicos e seguindo algumas precauções):

“(...) Não acusar a ninguém como não católico ou menos católico apenas por militar em partidos políticos chamados ou não chamados liberais, se bem que este nome repugna justamente a muitos, e o melhor seria não usa-lo. Combater sistematicamente os homens e aos partidos apenas por chamarem-se liberais não seria justo e nem oportuno; combatem-se os atos e as doutrinas reprováveis, quando se produzem, seja qual for o partido ao quais estes afiliados propõem tais atos ou sustentam tais doutrinas. O bom e o honesto que façam, digam e sustentem os afiliados de qualquer partido e as pessoas que exercem autoridade pode e deve ser aprovado e apoiado por todos os que se gabam de serem bons católicos e bons cidadãos, não somente em privado mas também nas cortes, nas disputas, nos municípios e em toda a ordem social. Abstenção e oposição ‘a priori’ estão em desacordo com o amor que devemos à religião e à pátria. Não seria justo ser tão inexorável por causa dos pequenos deslizes políticos dos homens afiliados aos chamados partidos liberais que, por tendência e atitude política, são normalmente mais respeitadores da igreja do que a generalidade dos homens políticos de outros partidos. Estar sempre pronto para unir-se com todos os bons, seja qual for sua filiação política, em todos os casos práticos que os interesses da religião e da pátria exijam uma ação comum. Esta união não é união de fé e nem de doutrina, pois em tais coisas todos os católicos devem estar unidos com os demais católicos, e todos eles sujeitos e obedientes a Igreja e aos seus ensinamentos; esta união, por sua natureza, não é uma associação católica, nem uma confraria, nem uma academia, é uma ‘ação pratica’ não constante e permanente ou ‘per modum habitus’, senão de circunstancias e necessidades ‘per modum actus’” – Instrução dada pelo Papa São Pio X aos espanhóis -  Do Boletim Oficial do Bispado de Santander – 30 de janeiro de 1909.

Além disso, o mesmo Papa São Pio X ensinou, em carta ao Bispo de Madrid Victoriano (01) ser necessário que os católicos busquem eleger aqueles que pelo menos pareçam que irão cuidar melhor dos “interesses da religião e da pátria, no exercício de seu cargo público”, e que isso deve se observar considerando “as condições de cada eleição e as circunstâncias dos tempos e dos lugares”.

Após estes ensinamentos de São Pio X o Reverendíssimo Padre Villada escreveu um documento (De elecciones) para tratar da forma como os católicos deveriam agir diante dos péssimos candidatos existentes naqueles tempos, tanto na Espanha como na Itália. Vejamos o que o bom padre ensinou, invocando os conselhos dados por São Pio X no que se refere as eleições nos tempos modernos:

"Os indivíduos particulares dos partidos políticos poderão ser uns piores que os outros, e às vezes talvez alguém pertencente a um partido mais avançado poderá ser menos mal que outro pertencente a um partido mais conservador; mas sempre será por si mesmo menos mal ou mais tolerável aquele que em seu programa de governo se mostre menos perseguidor da Igreja. Esta mesma doutrina foi recentemente aprovada por Pio X nas eleições italianas, permitindo que muitos católicos votassem em deputados mais ou menos liberais e, por conseguinte, mais ou menos inimigos da igreja e dos direitos do Papa, a fim de IMPEDIR O TRIUNFO DOS SOCIALISTAS e anarquistas que em tais distritos apresentavam-se. Com razão, por conseguinte, muitos bispos espanhóis incentivaram os católicos de suas dioceses, segundo indicamos antes, para que amoldassem sua conduta nas últimas eleições administrativas a essa doutrina” - Reverendíssimo Padre Villada - De elecciones