sábado, 10 de novembro de 2018

Que é que pedes a Jesus?



Joei era uma menina que as Irmãs de Caridade encontraram abandonada pelos pais às margens do Rio Amarelo da Grande China.

Estava a criancinha a morrer de fome e frio, quando as Irmãs a levaram para o hospital.

Logo que as vestiram e alimentaram, dando-lhe leite quente, começou a pequenina a recobrar a vida e a saúde. Foi batizada e logo brilhou a inteligência em seus olhinhos vivos e começou a conhecer a Deus e a aprender as coisas do céu. Andava já pelos oito anos e gostava de assistir à doutrina com as crianças que se preparavam para a primeira comunhão. Mas a sua memória não acompanhava o seu coração e quando o missionário foi examiná-la, teve que dar-lhe a triste notícia de que não seria admitida à primeira comunhão enquanto não soubesse melhor a doutrina.

Julgava o Padre que essa determinação a deixaria indiferente. Mas não foi assim.

Daquele dia em diante notou-se uma mudança extraordinária no comportamento da menina.

Em lugar de brincar, como antes, com as crianças de sua idade, Joei começou a passar seus recreios na capela aos pés de Jesus.

Um dia, estando Joei diante do Santíssimo, o Padre acercou-se dela devagarinho e ouviu que repetia com freqüência o nome de Jesus.

– Que é que fazeis aí?

– Estou visitando o Santíssimo Sacramento.

– Visitando o Santíssimo!? tu nem sabes quem é o Santíssimo…

– É meu Jesus, respondeu Joei.

– Bem; e que pedes a Jesus?

Então, com as mãos postas e sem levantar a cabeça, com lágrimas nos olhos, respondeu com indizível doçura:

– Peço a Jesus que me dê Jesus.

E a pequena Joei teve licença de fazer sua primeira comunhão.



Fonte: Tesouro de Exemplos – Pe. Francisco Alves
Fotografia: Apenas ilustrativa

segunda-feira, 5 de novembro de 2018

sábado, 25 de agosto de 2018

São Luís IX, Rei, estadista e cruzado




 "Cada época histórica tem um homem que a representa. Luís IX é o homem modelo da Idade Média: é um legislador, um herói e um santo... Marco Aurélio [Imperador romano pagão] mostrou o poder unido à filosofia; Luís IX, o poder unido à santidade. Avantajou-se o cristão" (Chateaubriand, Estudos históricos).

Não surpreende muito que um homem, retirado num claustro e separado das ocasiões de pecado, domine as inclinações desregradas da natureza e progrida na prática das mais belas virtudes do Cristianismo. Mas que um príncipe, ao qual não se tem a liberdade de repreender nem contradizer, e que vivendo em meio às honrarias e às mais perigosas volúpias, domine suas paixões, conservando a inocência e a pureza de coração, é realmente admirável, podendo ser chamado um prodígio na ordem da graça.

Entretanto, aquilo que é impossível para as forças do homem, não o é para Deus. E se a História do Antigo Testamento nos apresenta muitas cabeças coroadas que souberam aliar a santidade com a autoridade soberana, e a qualidade de profeta à de chefe, de juiz e de rei, a História do Novo Testamento nos fornece um número bem maior em quase todos os reinos cristãos.

Nesse mês, dia 25, a Igreja nos propõe um príncipe, que podemos chamar de pérola dos soberanos, glória da coroa da França, modelo de todos os príncipes cristãos; e para dizer tudo em duas palavras, um Monarca verdadeiramente segundo o coração de Deus, da Igreja e do povo.

É o incomparável São Luís, quadragésimo Rei da França desde o início da monarquia, e o nono da terceira raça, da qual Hugo Capeto foi o tronco.

Seu pai foi Luís VIII, filho de Filipe Augusto, e sua mãe a princesa Branca, de quem os historiadores atribuem a glória de haver sido filha, sobrinha, esposa, irmã e tia de reis. Com efeito, seu pai foi Afonso IX, Rei de Castela, que infligiu aos mouros sério revés na batalha de Navas de Tolosa, quando mais de duzentos mil infiéis pereceram no campo de batalha; era sobrinha dos reis Ricardo e João, da Inglaterra; esposa de Luís VIII, Rei da França; irmã de Henrique, Rei de Castela; mãe de São Luís IX e de Carlos, Rei de Nápoles e da Sicília; e tia, através de suas irmãs Urraca e Berengüela, de Sanches, Rei de Portugal, e de São Fernando III, Rei de Leão.

Nasceu São Luís no Castelo de Poissy, a 30 quilômetros de Paris, no dia 25 de abril de 1215, quando em toda a Cristandade procissões solenes comemoravam o dia de São Marcos. Vivia ainda seu avô, Filipe Augusto, o qual acabava de ganhar a célebre batalha de Bouvines, oito anos antes de lhe suceder seu filho, o futuro Luís VIII.

A infância de São Luís foi um espelho de honestidade e sabedoria. Seu pai, que unia virtude e zelo pela religião a uma bravura marcial que lhe valeu o nome de Leão, foi particularmente zeloso na sua educação. Deu-lhe bons preceptores e um sábio governante: Mateus II de Montmorency, primeiro barão cristão; Guilherme des Barres, Conde de Rochefort; e Clemente de Metz, marechal-da-França, que lhe inspiraram os sentimentos que deve ter um rei cristianíssimo e um filho primogênito da Igreja.

Sua mãe, Branca, não poupou esforços para torná-lo um grande rei e um grande Santo, sobretudo após a morte de seu filho primogênito, Filipe. Ela lhe repetia com freqüência estas palavras, dignas de serem imitadas por toda mãe verdadeiramente católica: "Meu filho, eu gostaria muito mais ver-te na sepultura, do que maculado por um só pecado mortal".

Com a morte prematura do Rei aos 40 anos, em 1226, na cidade de Montpellier, quando voltava da guerra contra os hereges albigenses, nosso Santo subiu ao trono, sob a tutela da mãe, tendo sido sagrado na Catedral de Reims em 30 de novembro daquele mesmo ano.

Sua minoridade foi pródiga em guerras intestinas, causadas pela ambição e orgulho de senhores feudais do reino, que desejavam valer-se da pouca idade do soberano para impor as suas pretensões. Mas Deus dissipou todas as facções por uma proteção visível sobre a pessoa sagrada desse jovem Monarca.

Uma minoridade tão conturbada serviu de ocasião para fazer reluzir a prudência, o valor e a bondade daquele que se tornaria um protótipo do Rei Católico.

terça-feira, 26 de junho de 2018

São Pelayo, mártir

Retábulo da capela consagrada a São Pelayo
Catedral de Córdoba

Pelayo, nascido em 911 em Albeos, Crecente (Galiza) vivendo, na primeira flor dos seus anos, como outro Tobias, temente a Deus, mereceu ser feito vítima de Cristo. Teve ele excelente criação, em casa do bispo de Tuy, Hermógio, seu tio. Entrou naquele tempo Abderramen, rei de Córdova, III do nome, com um poderoso exército pelas terras dos cristãos, abrasando-as como se fosse um raio. E, não podendo D. Sancho Abarca resistir-lhe, pela desigualdade de forças, chamou em seu socorro a el-rei de Leão D. Ordonho II, contra este comum inimigo. Veio logo em pessoa com grande cópia de soldados, e entre eles dois zelosos bispos para animar os cristãos, Dulcídio, de Salamanca, e Hermógio, de Tuy. Porém, como os sucessos da guerra são vários e dependem do Senhor dos exércitos, declarou-se a vitória por Abderramen, que, usando de todo o gênero de hostilidade com os vencidos, voltou para Córdova rico de despojos e cativos. Um destes foi o bispo Hermógio, que, fechado e maltratado em duríssima masmorra, ofereceu por resgate alguns mouros de seu serviço, que escusava. Aceitou el-rei o partido, e o deu por livre, contanto que deixasse reféns para segurança da dívida. E assim lhe deu a Pelayo, seu sobrinho, que era a melhor jóia que tinha, menino com quase dez anos. O qual se foi logo para o cárcere, não para viver como preso, mas para o santificar, como José em tempo de Faraó, com sua angélica presença. Ali guardava pureza na alma e no corpo, grande honestidade e modéstia, vivendo sempre mui ajustado com a Lei Divina. Fazia calar aos infiéis, se tocavam matérias de religião, e envergonhando-os e confundindo-os com a verdade da católica doutrina. Mas estes, admirados da sua gentileza, julgaram que era alvitre para o seu rei (escravo dos infames vícios da carne) a oferta daquele inocentezinho. Mandou logo levá-lo à sua presença. Para este intento, o vestiram ricamente, ajudando a formosura natural com a artificial, para que deste modo fizesse mais cobiça ao torpe Abderramen. Por estes passos chegou Pelayo aos da morte, que pudera acreditar mil vidas, quando fossem mais largas e menos ilustre que a sua. Entrou o exemplar da castidade na câmara real; e logo, pelas carícias e promessas do bárbaro, conheceu o depravado de seus intentos, e firmou seu coração com uma determinação imortal de envidar todo o resto da sua vida, a troco de não perder a graça de Deus. Começou o rei com razões a querer persuadir-lhe que deixasse a Lei de Cristo pela sua; mas respondeu a todas mais do que prometia a sua idade, porque nas virtudes, que são a da alma, era já provecto. Chegou-se a ele o bárbaro, e começou a pôr-lhe as mãos pelo rosto, e o quis abraçar e dar-lhe ósculos. Levantou o menino a mão, e deu-lhe uma grande punhada na boca, dizendo: Aparta, perro (cão); aparta teu rosto do meu; cuidas que sou algum dos teus afeminados rapazes, com que te desenfadas? E logo rasgou as vestiduras preciosas, ficando mais desembaraçado para a luta que esperava. Neste tempo estava Abderramen já tão cego e empenhado na afeição lasciva que as afrontas e desprezos de Pelayo não foram bastantes para mudar de intento. Pelo que mandou a seus criados que com afagos, branduras e promessas procurassem atraí-lo à seita de Mafoma e rendê-lo à sua vontade lasciva. Durou a porfia muito tempo, porém não serviu senão de fortalecer o ânimo do menino, com grande indignação e pena do rei, quando soube da sua constância. Pelo que, trocado o amor falso em ódio verdadeiro, o mandou atenazar vivo,confiado que tão frágil corpozinho não poderia sustentar tão cruéis tormentos, e que, uma vez deixada a Lei de Cristo, logo não faria melindre de conservar a castidade. Executou-se o ímpio mandato, com tanta crueldade que em breve aquela cândida açucena com o nácar de seu sangue ficou encarnada rosa. E, porque o martírio não o faz a pena senão a causa, publicou este em altas vozes: Cristão sou, e servo indigno de Jesus Cristo, cuja Lei confessarei eternamente, sem haver coisa na vida que dela me aparte um instante. Dada conta a el-rei do que passava, mandou-lhe cortar os membros, um por um, para que o tormento fosse mais prolongado. 

sábado, 23 de junho de 2018

São José Cafasso,confessor.



São José Cafasso: diretor espiritual e mestre de Dom Bosco

Trabalhando sem nenhum alarde, o Pe. Cafasso realizou um extraordinário apostolado ao combater os erros da época; constituiu-se num esteio para a formação dos sacerdotes

por Plinio Maria Solimeo

José Cafasso nasceu em Castelnuovo d’Asti (hoje Castelnuovo Dom Bosco) em 1811. Uma sua irmã foi mãe de outro santo, São José Alamano, fundador da comunidade dos Padres da Consolata.

Desde pequeno José era chamado pelos seus concidadãos de il Santeto, por causa de sua atração para a virtude e coisas santas.

Aos 16 anos entrou para o seminário e vestiu por primeira vez a sotaina. Assim o descreve Dom Bosco, que o encontrou nessa idade: “De pequena estatura, olhos brilhantes, ar afável e rosto angelical”.

Providencial encontro com São João Bosco

Dom Bosco o viu na porta da igreja de sua cidade, durante uma quermesse, e impressionado com a aparência do jovem seminarista, quis conversar com ele. Propôs-se então a mostrar-lhe algum dos espetáculos da feira. E narra deste modo o episódio:

“[José Cafasso] fez-me um sinal para eu me aproximar, e começou a perguntar-me minha idade, meus estudos; se havia já recebido a Primeira Comunhão; com que freqüência me confessava; aonde ia ao catecismo, e coisas semelhantes. Fiquei como encantado ante aquela maneira edificante de falar; respondi com gosto a todas as suas perguntas; depois, quase como para agradecer sua afabilidade, repeti meu oferecimento de acompanhá-lo a visitar qualquer espetáculo ou novidade.

— Querido amigo — disse ele —, os espetáculos dos sacerdotes são as funções da igreja; quanto mais devotamente se celebrem, tanto mais se tornam agradáveis. Nossas novidades são as práticas da Religião, que são sempre novas, e por isso é necessário freqüentá-las com assiduidade; eu só estou esperando que abram a igreja para poder entrar.

Animei-me a seguir a conversação, e acrescentei:

— É verdade o que o Sr. diz; mas há tempo para tudo: tempo para a igreja e tempo para divertir-se.

Ele pôs-se a rir, e terminou com estas memoráveis palavras, que foram como o programa das ações de toda sua vida:

— Quem abraça o estado eclesiástico entrega-se ao Senhor, e nada de quanto teve no mundo deve preocupá-lo, mas sim aquilo que pode servir para a glória de Deus e proveito das almas”.(1)

No Convitto (internato) São Francisco de Assis

José Cafasso era ótimo estudante, e precisou pedir dispensa para ser ordenado mais cedo do que o normal, aos 21 anos de idade, em setembro de 1933. Em vez de aceitar inúmeros convites de paróquias, quis aprofundar seus estudos no Convitto (internato) eclesiástico São Francisco de Assis, de Turim. Nessa espécie de academia eclesiástica ele passou alguns anos de intensa formação intelectual e espiritual, sendo nomeado professor da cátedra de moral. Trabalhou junto ao Cônego Guala, um dos fundadores do estabelecimento e seu reitor. Seu programa era santificar-se cada vez mais e auxiliar os outros para que também se santificassem. Todos admiravam nele esse empenho para em tudo procurar a maior glória de Deus e a santificação própria e dos outros.

Ao morrer o Cônego Guala, José foi aclamado por unanimidade para substituí-lo, e manteve esse cargo durante 12 anos, isto é, até sua morte. Propôs-se como modelos São Francisco de Sales e São Felipe Néri.  Muitos diziam que, na jovialidade e uniformidade de espírito, ele muito se assemelhava a esses santos.

Combate ao jansenismo e ao rigorismo

O Padre Cafasso combateu tenazmente duas filosofias que haviam então penetrado na Itália: uma defendia que só a pessoa muito santa deveria aproximar-se dos sacramentos, principalmente da Eucaristia (jansenismo); e outra se centrava mais na justiça de Deus, quase abstraindo de sua misericórdia, sem procurar ver o equilíbrio existente entre esses dois atributos divinos (rigorismo). O Papa Pio XI, por ocasião do decreto De tuto para a beatificação de José Cafasso,  assinado em 1º de novembro de 1924), afirmou: “Bem depressa logrou Cafasso sentar praça de mestre nas fileiras do jovem clero, inflamado de caridade e radiante de saníssimas idéias, disposto a opor aos males do tempo os oportunos remédios. Contra o jansenismo, levantava um espírito de suave confiança na divina bondade; frente ao rigorismo, colocava uma atitude de justa facilidade e bondade paterna no exercício do ministério; desbancava por fim o regalismo, com uma dignidade soberana e uma consciência respeitosa para com as leis justas e as autoridades legítimas, sem claudicar jamais, antes bem dominado e conduzido pela perfeita observância dos direitos de Deus e das almas, pela devoção inviolável à Santa Sé e ao Pontífice Supremo, e pelo amor filial à Santa Madre Igreja”.(2)

Para contrapor-se ao jansenismo e ao rigorismo, ele apresentava a Religião sob seus mais belos aspectos, concebida como um exercício de amor a um Deus de bondade e misericórdia, que padeceu e morreu para nos salvar. Sem descuidar as verdades essenciais, ele punha o acento naquelas mais belas e acessíveis ao comum dos cristãos, para que praticassem as virtudes. Como se vê, utilizava a tática religiosa preconizada séculos antes por Santo Inácio de Loyola, do agere contra, isto é, agir sempre contra os erros e vícios da época.

Levava seus alunos sacerdotes para visitar os cárceres e os bairros mais pobres da cidade, a fim de despertar neles uma grande sensibilidade para com os deserdados da fortuna.

Amigo e protetor de Dom Bosco

Quando São João Bosco estava ainda no seminário e não podia prosseguir seus estudos por falta de recursos, o Pe. Cafasso pagou-lhe meia bolsa e obteve dos dirigentes do seminário facilitar-lhe a outra metade, servindo o jovem seminarista como sacristão, remendão e barbeiro. E quando ele se ordenou, custeou-lhe o curso no Convitto para sua pós-graduação.

Depois ajudou-o em seu apostolado com os meninos, e, mesmo quando todos abandonaram Dom Bosco, continuou seu acérrimo defensor. Ajudou-o também na recém-fundada Sociedade Salesiana, sendo considerado pelos salesianos um dos seus maiores benfeitores.

Assistência aos condenados na hora da morte

Turim era a capital do Reino da Sabóia e uma cidade em grande desenvolvimento, atraindo toda espécie de aventureiros. Em conseqüência, os cárceres estavam cheios de criminosos de toda ordem, abandonados por todos. Esse foi um dos campos de apostolado preferido por Dom Cafasso. Ele entregava aos prisioneiros roupa, comida, material de asseio e outras coisas. Ia visitá-los, e com paciência e doçura acabava fazendo com que muitos se confessassem e começassem a levar uma vida mais decente. Sua visita semanal era esperada com sofreguidão por aqueles párias da sociedade. Muito diferente dos que hoje pregam os “direitos humanos” dos bandidos, que não buscam a conversão dos mesmos, mas apenas proporcionar-lhes regalias humanas, mantendo-os na mentalidade criminosa.


O maior e mais heróico apostolado exercido por José Cafasso era com os condenados à morte. Quando um criminoso recebia a sentença de morte, o sacerdote preparava-o nos dias que a antecediam, para converter-se e confessar-se, e depois o acompanhava até o lugar do suplício, incutindo-lhe religiosos sentimentos. De 68 condenados que ele acompanhou assim até o derradeiro suplício, nenhum morreu sem confessar-se e mostrar-se verdadeiramente arrependido.

Quando o criminoso ouvia a pena de morte, geralmente exclamava: “Que o Padre Cafasso esteja a meu lado na hora da morte, é o meu último desejo”. Chamavam-no mesmo de outras cidades, para esse benemérito apostolado. Hoje em dia, onde estão os criminosos que pedem assistência espiritual e os bons sacerdotes que queiram dá-la? Como decaímos!

Certo dia o Pe. Cafasso levou Dom Bosco, ainda jovem sacerdote, em uma dessas visitas. Este, só ao ver a forca, caiu desmaiado...(3) O que mostra o domínio que Dom Cafasso deveria ter sobre si mesmo para familiarizar-se com tão difícil apostolado. Mas então tratava-se de salvar uma alma no último momento, e isso bastava para dar-lhe forças.

“Pai dos pobres, conselheiro dos vacilantes”

Um dom que José Cafasso recebeu em alto grau foi o da prudência. À sua porta batiam desde altos eclesiásticos até gente miúda do povinho, à procura de um conselho para resolver situações delicadas. E ele sempre tinha a palavra exata, o conselho certo, a solução definitiva.

Outras qualidades que nele sobressaíam de maneira especial eram sua tranqüilidade imutável e exemplar paciência. No rosto, tinha sempre um sorriso amável para atender as pessoas. Como ele era muito baixo, diziam: “É pequeno de corpo, mas um gigante no espírito”.

São João Bosco, na biografia que escreveu de São José Cafasso, seu diretor e mestre, destaca várias facetas de sua múltipla atividade: “Pai dos pobres, conselheiro dos vacilantes, consolador dos enfermos, auxílio dos agonizantes, alívio dos encarcerados, salvação dos condenados à morte”.(4)

A devoção do Padre Cafasso à Santíssima Virgem era fora do comum. Ele a nutria desde pequeno e falava d’Ela com entusiasmo. Dedicava os sábados em sua honra, e não havia o que se lhe pedisse num desses dias ou em alguma festa de Nossa Senhora, que ele não atendesse.

Três amores: Eucaristia, Nossa Senhora, Papado

Ele dizia constantemente que tinha três amores: a Jesus Sacramentado, à Santíssima Virgem e ao Papa.(5) Esta afirmação era tanto mais importante numa época em que o Papa estava sendo despojado dos Estados Pontifícios.

Num de seus sermões sobre Nossa Senhora, Dom José Cafasso exclamou arrebatado: “Que feliz dita a de morrer num sábado, dia da Virgem, para ser levado por Ela ao Céu!”. Realmente, essa foi a graça que ele obteve, falecendo no sábado, 23 de junho de 1860, aos 49 anos de idade.

José Cafasso foi beatificado por Pio XI em 3 de maio de 1925, e canonizado por Pio XII em 22 de junho de 1947.

E-mail do autor: pmsolimeo@catolicismo.com.br

__________

NOTAS:

1. São João Bosco, Biografía y Escritos de San Juan Bosco, Biblioteca de Autores Cristianos, Madrid, 1955, Memorias del Oratorio, p. 97.

2. Giuseppe Usseglio, S.D.B. www.mercaba.org/Santoral/Junio/23-2.htm

3. www.iglesiapotosina.org/admon/santoral/santostodos.cfm?id_santo=332

4. Giuseppe Usseglio, S.D.B., site citado.

5. www.serviciocatolico.com/liturgia%20y%20santoral/santoral/junio/23dejuni.htm



Fonte: Revista Catolicismo | Junho de 2004

quinta-feira, 21 de junho de 2018

São Luís Gonzaga: modelo de pureza, coerência e desapego



São Luís Gonzaga

Modelo de pureza, coerência e desapego. Patrono da juventude, São Luís Gonzaga aliou a nobreza de sangue à santidade, comemorando-se sua festa no dia 21 deste mês. Fez voto de virgindade aos nove anos e morreu como noviço da Companhia de Jesus aos 23, vitimado por sua assinalada caridade para com os empestados de Roma.

A marquesa de Castiglioni, Marta Tana di Santena da Chieri, estava em trabalhos de parto, com grande perigo de vida para si e para a criança que ia nascer. Todos já desesperavam de vê-la a salvo, quando ela resolveu fazer uma promessa a Nossa Senhora de Loreto, de consagrar-Lhe esse primeiro filho de suas entranhas e de levá-lo em peregrinação ao seu santuário, tão logo ambos se recuperassem. Imediatamente deu à luz o primogênito de seus oito filhos, a quem pôs o nome de Luís.

Esse feliz acontecimento foi providencialmente comemorado em Castiglione com o júbilo de um nascimento real. E muito a propósito, pois o recém-nascido haveria de ser a maior glória da dinastia dos Gonzaga, uma das mais ilustres de toda a Itália. Com domínios de Mântua a Bréscia, e de Ferrara à fronteira da Lombardia, ao longo dos anos a dinastia acumulara riquezas, altos cargos eclesiásticos e principados em sua aristocrática linhagem.

Marta Tana di Santena da Chieri e Ferrante Gonzaga
Pais de São Luiz Gonzaga.

Dona Marta era casada com um dos mais salientes membros dessa estirpe, Ferrante Gonzaga, também conhecido como Ferdinando, Marquês de Castiglione e Nobre do Sacro Império. Conhecera-o na corte da Espanha, onde era dama favorita da Rainha Isabel de Valois (rainha consorte de Espanha, Nápoles, Sicília, Sardenha). Esta soberana, secundada por seu esposo, o grande Felipe II, estimando a virtude e as qualidades morais de Dona Marta, a escolhera para sua dama.

Rei Felipe II da Espanha e Rainha Isabel de Valois
Padrinhos de casamento dos pais de São Luiz Gonzaga

Se o Marquês tinha no sangue o espírito combativo e militar de seus ancestrais, a Marquesa completava a belicosidade do marido com uma profunda piedade. E Luís recebeu a influência dos dois.

Desde muito pequeno, gostava de ouvir, falar e pensar em Deus. Teve assim, quase desde o berço, um dom muito elevado de oração, sendo Deus seu único mestre.

“Conversão” aos sete anos…

Unido a essa feliz propensão de seu caráter e à sua piedade precoce, podia-se perceber nele o borbulhar belicoso do sangue ancestral. Assim é que o Marquês deu-lhe uma pequena armadura, elmo, espadinha e um pequeno arcabuz de verdade. E o levou ao acampamento de Casal-Major, onde deveria passar em revista as tropas que levava consigo para a guerra do rei espanhol contra Túnis.

Um dia Luís, disparando seu arcabuz, chamuscou o rosto. O pai então proibiu-o de utilizar pólvora. Mas ele, travesso e valente, noutro dia, na hora do repouso após o almoço, conseguiu escapar à vigilância de seu tutor, aproximar-se de um canhão e acender-lhe o pavio. O acampamento todo foi despertado com o estrondo, e encontraram o pequeno príncipe estirado ao solo, vítima do coice que recebeu da possante arma.

Luís gostava de estar junto aos tercios espanhóis — das mais famosas tropas de infantaria então existentes — imitando seu passo marcial. Mas muitas vezes repetia seu jargão e as palavras às vezes inconvenientes de alguns deles. Seu tutor chamou-lhe a atenção, dizendo-lhe que aquela não era a linguagem de lábios limpos. Embora o menino de cinco anos não entendesse seu sentido, chorou amargamente essa involuntária falta, que acusará sempre como uma das mais graves de sua vida. E disse que a partir desse episódio teve início sua “conversão”!
  
Altar de S. Luis Gonzaga,
pelo escultor Pierre Legros, o Jovem (1697-1699).


 Objetivo: alcançar vida de perfeição

Desde então, essa criança começou um processo de sério afervoramento espiritual. Segundo o parecer de outro Santo, São Roberto Belarmino, Doutor da Igreja e futuro confessor do primogênito do Marquês de Castiglione, “na idade de sete anos é que Luís começou a conhecer mais a Deus, desprezar o mundo e empreender uma vida de perfeição. Ele mesmo com freqüência me repetia que o sétimo ano de sua idade marcava a data da sua conversão”.

Aos oito anos o pai levou-o com seu irmão Rodolfo para viverem na corte do Grão-duque da Toscana, Francisco de Médicis. Já não se estava mais na austeridade vivida pelos príncipes medievais, pois a decadência renascentista invadia tudo. Em meio aos divertimentos mundanos e às solicitações dessa brilhante corte renascentista, Luís buscava auxílio nAquela a quem fora consagrado ao nascer. Aumentou então seus atos de devoção à Santíssima Virgem, de tal modo que fez, aos nove anos de idade, voto de castidade perpétua.

Quando tinha 10 anos, numa ausência do pai, recebeu certo dia em Castiglione o Cardeal-Arcebispo de Milão, São Carlos Borromeu. Este ficou encantado com sua pureza e santidade, tendo declarado “que jamais encontrara jovem que em tal idade atingisse tão elevada perfeição”. Ele mesmo administrou-lhe a Primeira Comunhão, aconselhando-o a praticar a comunhão freqüente e a leitura doCatecismo Romano.

Sua infância transcorreu de castelo em castelo, de corte em corte, de festa em festa, mantendo, contudo, sempre o coração ancorado em Deus. Provou, assim, que era perfeitamente possível cultivar a santidade em meio aos esplendores da nobreza. Com efeito, aos 12 anos já atingira alta contemplação. Para isso lhe fora de muita ajuda um livro de São Pedro Canísio, apóstolo da Alemanha. A meditação contínua tornou-se para ele quase uma segunda natureza.

Um de seus criados poderá afirmar: “Todos seus pensamentos estavam fixos em Deus. Fugia dos jogos, dos espetáculos e das festas. Se dizíamos alguma palavra menos decente, chamava-nos e repreendia-nos com toda doçura e gentileza”. Luís afirmaria mais tarde: “Deus me deu a graça de não pensar senão no que quero”. E por isso tinha um domínio total de si mesmo.

Vivendo em plena época do Renascimento, estudou as línguas clássicas, chegando a escrever elegantemente em latim. Foi nessa língua que fez um discurso de saudação ao monarca espanhol Felipe II quando suas armas foram vitoriosas em Portugal. Espírito alerta, perspicaz e sério, triunfou facilmente nos estudos. Ele alia va magnificamente a nobreza, a cultura, a inteligência e a santidade.

Para o cumprimento da vocação, vitória sobre sérios obstáculos

Em 1581 Luís foi levado pelo pai para a Espanha, para ser pajem dos infantes naquele país. Mas Deus tinha sobre ele outros desígnios. Na corte de um dos mais poderosos soberanos da Terra, afirma-se no coração de Luís o desejo de apartar-se do mundo e dedicar-se totalmente a Deus. Tendo cumprido já os 16 anos, decidiu falar sobre isso com seu pai. O marquês, que encantado com as qualidades do filho augurava-lhe um brilhante porvir no mundo, respondeu-lhe com um rotundo não.

Para dissuadi-lo disso, enviou-o de volta à Itália, com missão junto a vários príncipes. Esperava que, em meio àquela vida brilhante da Itália renascentista, arrefecesse no filho o desejo de fazer-se religioso. Luís desincumbiu-se com tanto êxito das várias tarefas, que o pai mais se firmou no desejo de tê-lo como seu sucessor.

Mas, à força de muitas súplicas, o marquês cedeu. E Luís — tendo também, como príncipe do Sacro-Império, obtido a permissão do Imperador — pôde abdicar de todos seus direitos dinásticos em favor de seu irmão Rodolfo, e assim entrar no noviciado da Companhia de Jesus em Roma, aos 18 anos incompletos.

Alto grau de santidade em plena juventude

Dentro do noviciado jesuíta, Luís continuou a ser motivo de edificação para todos, como sucedera quando estava no século. Seus superiores não tiveram senão que moderar o seu fervor e pôr limites às suas grandes penitências. Para ele, era uma alegria sair pelas ruas de Roma, com um saco às costas, pedindo esmolas para o convento. Era também enviado a ajudar na cozinha e na limpeza da casa. A alguém que lhe perguntou se não sentia repugnância em fazer atos tão humildes, respondeu que não, pois tinha diante dos olhos a Jesus Cristo humilhado pelos pecados dos homens, e a recompensa eterna que Ele dá àqueles que se rebaixam por amor a Deus.

Visitava os doentes e os encarcerados. Mesmo nessas ocasiões, mantinha seu recolhimento em Deus e cumpria seus atos de devoção. Dizia que “aquele que não é homem de oração não chegará jamais a um alto grau de santidade nem triunfará jamais sobre si mesmo; e que toda a tibieza e falta de mortificação que se via em almas religiosas não procediam senão da negligência na meditação, que é o meio mais curto e eficaz para se adquirir as virtudes”. A tal ponto se tornara senhor de sua imaginação, que no espaço de seis meses, segundo ele mesmo reconheceu, suas distrações não haviam durado o tempo de uma Ave-Maria.

Uma de suas devoções especiais era a Paixão de Nosso Senhor, a qual tornou-se objeto contínuo de suas meditações. Sua devoção à Santíssima Virgem era terna e filial. Tinha também especial devoção aos Santos Anjos, especialmente a seu Anjo da Guarda, e escreveu mesmo um pequeno estudo sobre eles. Também o Santíssimo Sacramento era objeto de suas afeições. Passava horas diante do tabernáculo, entretendo-se com o Deus escondido sob as aparências eucarísticas.

Caso seus superiores não o tivessem moderado, as penitências físicas que praticava teriam abreviado seus dias. Alguns diziam que ele lamentaria, na hora da morte, esse excesso. Bem pelo contrário: nesse momento ele fez questão de dizer a seus irmãos, reunidos em torno de seu leito, que se ele tinha alguma coisa a lamentar nesse sentido eram as penitências que ele não havia feito, e não as que fizera.

Seu pai, que levara uma vida muito voltada às coisas do mundo, preparou-se tão bem para a morte, que atribuiu esses sentimentos às orações do filho.

Na morte, caridade heroica

Pouco depois do falecimento de seu progenitor, Luís teve que ir a Castiglione resolver uma áspera disputa entre seu irmão Rodolfo e seu tio, a propósito de terras. Sua mãe, que o venerava muito, e com sentimentos de verdadeira nobreza, recebeu-o de joelhos.

Quando estava hospedado no colégio da Companhia, em Milão, teve a revelação de que em breve morreria. Exultante, voltou para Roma e empregou seus últimos dias cuidando dos empestados numa terrível epidemia que devastava a Cidade Eterna. Com isso, ganhou mais méritos. Vítima do contágio, faleceu santamente a 21 de junho de 1591.

Igreja de Santo Inácio de Loyola em Campo Marzio, (Roma), Itália
Aí repousa o corpo de São Luiz Gonzaga

Que São Luís Gonzaga interceda por nós, em meio ao neopaganismo e à decadência moral de hoje em dia, e nos obtenha do Criador pelo menos uma parcela de seu abrasado amor de Deus e zelo apostólico, bem como de sua pureza angélica.

*   *   *

Obras consultadas:

Les Petits Bollandistes, Vies des Saints, d’après le Père Giry, Bloud et Barral, Libraires-Éditeurs, Paris, 1882, tomo 7º, pp. 192 a 203.

Pe. Jean Croisset, S.J., Año Cristiano, tradução espanhola, Saturnino Calleja, Madrid, 1901, tomo 2º, pp. 907 a 919.

Fr. Justo Pérez de Urbel, O.S.B., Año Cristiano, Ediciones Fax, Madrid, 1945, tomo II, pp. 665 a 675.

Pe. José Leite, S. J., Santos de Cada Dia, Editorial A.O., Braga, 1987, tomo II, pp. 275 a 278.

Fonte: Revista Catolicismo.
Obs: Fiz algumas alterações no texto, pois julguei necessárias. Se alguém encontrar algum erro, por favor me informe. No texto original consta o nome da mãe de São Luiz como sendo Laura Gonzaga, eu alterei para Marta Tana di Santena da Chieri, coforme informações no wikipedia e outras fontes. O nome do pai de São Luiz Gonzaga também foi alterado. O texto original apresenta o nome Fernando, e então eu coloquei Ferrante Gonzaga, conforme informações de algumas fontes, entre elas o wikipédia. Também mencionei que ele era conhecido como Ferdinando (Fernando em Português). O texto original diz que ele era um príncipe, porém como não encontrei nenhuma informação sobre isso, eu substituí o príncipe por nobre do Sacro Império, conforme informações genealógicas da família de Ferrante Gonzaga. Também alterei o a descrição "Rainha Isabel de França", pois ainda que Isabel fosse nascida na França, ela se casou com Filipe II de Espanha e se tornou rainha consorte de Espanha, Nápoles, Sicília e Sardenha.

Oração

Ó São Luiz Gonzaga, adornado de angélicos costumes, eu, vosso indigníssimo devoto, vos recomendo singularmente a castidade da minha alma e do meu corpo. Rogo-vos por vossa angélica pureza, que intercedais por mim ante ao Cordeiro Imaculado, Cristo Jesus e sua santíssima Mãe, a Virgens das virgens, e me preserveis de todo o pecado. Não permitais que eu seja manchado com a mínima nódoa de impureza; mas quando me virdes em tentação ou perigo de pecar, afastai do meu coração todos os pensamentos e afetos impuros e, despertando em mim a lembrança da eternidade e de Jesus crucificado, imprime profundamente no meu coração o sentimento do santo temor de Deus e inflamai-me no amor divino, para que, imitando-vos cá na terra, mereça gozar a Deus convosco lá no céu. Amém.

quinta-feira, 14 de junho de 2018

A difamação e a calúnia.

Lúcifer, no centro da Terra, mastigando pecadores. 
Ilustração de Alessandro Vellutello (século XVI).


Por Padre Renato Leite

“Também a língua é um fogo, um mundo de iniquidade. A língua está entre os nossos membros e contamina todo o corpo; e sendo inflamada pelo inferno, incendeia o curso da nossa vida.” (Tiago 3,6)

Quem de nós não poderia contar, ao menos, um caso de alguém que amargou graves prejuízos, vítima que foi da “língua alheia”? Como o vício da detração, que tem na fofoca um dos seus sintomas mais evidentes, é um mal comum e disseminado  entre os maus católicos que, apesar de somados anos de frequência à Igreja, não se corrigem. Queremos, com o presente artigo, baseado na sólida doutrina da Igreja sobre o assunto, oferecer uma advertência aos que não se emendam e, aos que buscam a plenitude da vida cristã, um auxílio doutrinal seguro em vista de uma conformação cada vez maior com Jesus Cristo, cujas palavras são “Espírito e Vida”.

A detração é a difamação injusta do próximo, e, para levá-la a cabo, pode-se usar tanto da murmuração (fofoca), que consiste em revelar e/ou criticar, sem  justo motivo, os defeitos ou pecados ocultos dos outros,  como da calúnia que consiste em imputar a alguém defeitos ou pecados que ele não tem, nem cometeu ou simplesmente em exagerar os defeitos dele.

Posto isso, diga-se que a gravidade do pecado de detração ou difamação é medida:

• pela importância do que se divulgou ou murmurou;

• pelo prejuízo ou dano causado não só à reputação de alguém, mas também por se ter-lhe provocado grave desassossego e desgosto;

• pela condição do murmurador(a) ou fofoqueiro(a): uma autoridade civil ou eclesiástica causa mais dano ao murmurar que uma pessoa comum considerada leviana;

• pela condição de quem foi detratado, porque não é a mesma coisa dizer que um “moleque” é mentiroso e fazer o mesmo a respeito de uma autoridade, de um padre ou de um chefe de família.

Desgraçadamente, porém, o pecado da detração é tão comum como o furto, ou melhor: a detração ou fofoca é um furto, como diz Santo Tomás de Aquino: “De duas formas pode o próximo ser prejudicado por uma obra:  manifestamente, como sucede quando ele é vítima de um roubo ou de qualquer outra violência aberta; ou ocultamente, como no furto, ao modo de traição. De duas formas pode-se causar prejuízo ao próximo pela palavra: de modo manifesto, pela injúria; e de modo oculto, pela detração” (Suma Teológica, IIa.-IIa., 73, a. 1.)

Mas a detração ou fofoca é, dentre todas as formas de furto, a mais grave, e torna-se ainda mais grave quanto maior é o prejuízo que causa. O dano será tão mais grave quanto mais estimado for o objeto furtado. Ora, como diz a Escritura, “é melhor um bom nome do que muitas riquezas” (Provérbios 22,1). Logo, a detração ou fofoca é não só o pior dos furtos, mas também, “em si, pecado grave” (Santo Tomás, ibid).

Além do mais, quem furta algo nem sempre atua com cúmplices; o detrator ou fofoqueiro, ao contrário, sempre os tem, porque, se não os tivesse, a fama do próximo não padeceria nenhum prejuízo. Ora, como diz o Apóstolo São Paulo, “quem faz tais coisas é digno de morte; e não só quem as faz, mas também os que junto com ele as praticam” (Romanos 1,32). Sim, porque quem dá ouvidos ao detrator fofoqueiro, ou o aplaude, é “copartícipe” do seu pecado: peca contra a caridade, por estimular o difamador a levar adiante o seu crime, e contra a justiça, por permitir que na sua presença se manche a boa reputação do próximo.

Há, porém, um caso bem mais grave: aquele em que a detração se torna pecado contra o Espírito Santo por ser movida pela inveja das graças ou dons divinos recebidos por um irmão de fé. Quanto a pecados desse tipo, são muito duras as palavras do Evangelista: eles “não serão perdoados neste século nem no futuro” (Mateus 12,32), e o repete Santo Agostinho no Sermão do Senhor da Montanha, o qual, porém, em suas Retratações atenua um pouco a afirmação, dizendo: “Enquanto houver vida, porém, não há que desesperar”. O mesmo, aliás, fará Santo Tomás de Aquino na Suma Teológica, dizendo, no entanto, que sim, quem peca contra o Espírito Santo tem grandíssima dificuldade de arrepender-se e pedir perdão a Deus. Foi o caso de Judas Iscariotes.

Como quer que seja a gravidade do pecado da detração, bem pode ser avaliada pelo seguinte episódio que se deu com São Francisco de Sales, Bispo de Genebra, na Suíça. Certo católico que por uma fofoca destruíra uma família, causando separação matrimonial entre outros fatos, o Santo lhe impôs uma estranha penitência: primeiramente depenar muitas galinhas, espalhar as penas por toda a cidade e depois voltar para saber a segunda parte da penitência. Voltou o penitente após cumprir aquela primeira parte e perguntou qual seria a segunda. Respondeu São Francisco: “Agora, vá e recolha todas as penas”. Disse o homem: “Mas isso é impossível”. Concluiu o Bispo: “Também é impossível recolher os cacos da família que você destruiu”.

Como se pode ver, desse pecado surgem males sem conta, pois um fofoqueiro, é muitas vezes, culpado de que se percam bens materiais, a reputação, a vida e até a salvação da alma. Isso pode atingir tanto o ofendido, que não sabe sofrer o agravo com paciência e procura revidá-lo, como também o próprio ofensor que, por orgulho e respeito humano, se recusa a dar satisfação ao ofendido. Lemos nas Sagradas Escrituras:

“Seis coisas há que o Senhor odeia e uma sétima que lhe é uma abominação: olhos altivos, língua mentirosa, mãos que derramam sangue inocente, um coração que maquina projetos perversos, pés rápidos em correr ao mal, um falso testemunho que profere mentiras e aquele que semeia discórdias entre irmãos.” (Provérbios 6,16-19).

Ora, se o homem mentiroso é singularmente abominado por Deus, quem o poderia livrar dos mais rigorosos castigos? Depois, haverá coisa mais torpe e infame, como reparou São Tiago, do que “servir-nos da mesma língua com que bendizemos a Deus Pai para maldizer os homens, feitos à imagem e semelhança de Deus. É como uma fonte que, pela mesma abertura, jorra água doce e água salobra.” (Tiago 3,9-11). Com efeito, a mesma língua que antes louvava e glorificava a Deus, põe-se depois, pela mentira, a cobri-Lo, quanto pode, de injúrias e ofensas.

Essa é a razão por que os mentirosos são excluídos da posse da celeste bem-venturança. Por isso, quando Davi se dirigiu a Deus com a pergunta: “Quem  morará na Vossa casa?” – o Espírito Santo lhe respondeu: “Aquele que diz a verdade no seu coração, e que não solta em calúnias a sua língua”. (Salmo 14,1-3).

O pior dano da mentira é que ela constitui doença do espírito quase incurável, pois o pecado de calúnia e o de detração ou fofoca, contra a fama e o bom nome do próximo, não são perdoados enquanto o acusador não prestar satisfação ao ofendido pelas injustiças praticadas. Isso, porém, se torna muito difícil aos homens, antes de tudo, porque se deixam levar por sentimentos de falsa vergonha e falsa dignidade. Ora, não podemos duvidar que com tal pecado na consciência a pessoa se condena aos eternos suplícios do inferno.

Ninguém pode, tampouco, esperar o perdão de suas calúnias e detrações se antes não der satisfação a quem foi por ele lesado na fama ou consideração, quer em juízo público quer em conversas familiares e reservadas, segundo a grave advertência de Nosso Senhor Jesus Cristo que disse: “No dia do juízo os homens prestarão contas de toda palavra vã que tiverem proferido.” (Mateus 12,36).


quarta-feira, 13 de junho de 2018

A Dupla Concepção de Vida



CAPÍTULO II
A DUPLA CONCEPÇÃO DE VIDA

A civilização cristã procede de uma concepção de vida diversa daquela que dera origem à civilização pagã.

O paganismo, empurrando o gênero humano pelo declive em que o pecado original o colocara, dizia ao homem que ele estava sobre a terra para fruir a vida e os bens que este mundo lhe oferece. O pagão não ambicionava, não buscava nada além disso; e a sociedade pagã estava constituída para oferecer esses bens tão abundantes e esses prazeres tão refinados, ou também tão grosseiros quanto possam ser, para os que estavam em situação de pretendê-los. A civilização antiga nasceu desse princípio, todas as suas instituições dele decorriam, sobretudo as duas principais, a escravidão e a guerra. Pois a natureza não é suficientemente generosa, e sobretudo então não tinha sido cultivada pelo tempo necessário e bastante bem para oferecer a todos os prazeres cobiçados. Os povos fortes subjugavam os povos fracos, e os cidadãos escravizavam os estrangeiros e mesmo seus irmãos, para obter produtores de riquezas e instrumentos de prazer.

O cristianismo chegou e fez o homem compreender que devia procurar numa outra direção a felicidade cuja necessidade não cessa de atormentá-lo. Ele destruiu a noção que o pagão criara da vida presente. O divino Salvador ensinou-nos por Sua palavra, persuadiu-nos por Sua morte e ressurreição, que se a vida presente é uma vida, ela não é A VIDA que Seu Pai nos destinou.

A vida presente não é senão a preparação para a vida eterna. Aquela é o caminho que conduz a esta. Nós estamos in via, diziam os escolásticos, caminhando ad terminum, na estrada para o céu. Os sábios de hoje exprimiriam a mesma idéia, dizendo que a terra é o laboratório no qual se formam as almas, no qual se recebem ese desenvolvem as faculdades sobrenaturais que o cristão, após a morte, gozará na morada celeste. Como a vida embrionária no seio materno. É também uma vida, mas uma vida em formação, na qual se elaboram os sentidos que deverão funcionar na estada terrestre: os olhos que contemplarão a natureza, o ouvido que recolherá suas harmonias, a voz que a isso misturará seus cantos etc.

No céu nós veremos a Deus face a face,1 é a grande promessa que nos foi feita.
Toda a religião está baseada nela. E no entanto nenhuma natureza criada é capaz
dessa visão.

Todos os seres vivos têm sua maneira de conhecer, limitada por sua própria natureza. A planta tem um certo conhecimento das substâncias que devem servir à sua manutenção, posto que suas raízes se estendem em direção a elas, procurandoas para ingeri-las. Esse conhecimento não é uma visão. O animal vê, mas ele não tem a inteligência das coisas que seus olhos abarcam. O homem compreende essas coisas, sua razão as penetra, abstrai as idéias que elas contêm e através delas se eleva à ciência. Mas as substâncias das coisas permanecem escondidas, porque o homem é apenas um animal racional e não uma pura inteligência. Os anjos, inteligências puras, vêem a si mesmos na sua substância, podem contemplar diretamente as substâncias da mesma natureza da deles, e com mais razão as substâncias inferiores. Mas eles não podem ver a Deus. Deus é uma substância à parte, de uma ordem infinitamente superior. O maior esforço do espírito humano conseguiu qualificá-Lo de “ato puro”, e a Revelação nos diz que Ele é uma trindade de pessoas na unidade da substância, a segunda engendrada pela primeira, a terceira que procede das outras duas, e isso numa vida de inteligência e de amor que não tem começo nem fim. Ver a Deus como Ele é, amá-Lo como Ele Se ama -- e nisto consiste a beatitude prometida -- está acima das forças de toda natureza criada e mesmo possível. Para compreendê-Lo, essa natureza não deveria ser nada menos que igual a Deus.

Mas aquilo que não tem cabimento pela natureza pode sobrevir pelo dom gratuito de Deus. E isto é: nós o sabemos porque Deus no-lo disse ter feito. Isto serve para os anjos e isto serve para nós. Os anjos bons vêem a Deus face a face, e nós somos chamados a gozar da mesma felicidade.

Nós não podemos chegar a isso senão por alguma coisa de sobre-acrescentado, que nos eleva acima de nossa natureza, que nos torna capazes daquilo de que somos radicalmente impotentes por nós mesmos, como seria o dom da razão para um animal ou o dom da visão para uma planta. Essa alguma coisa é chamada aqui em baixo de graça santificante. É, diz o apóstolo São Pedro, uma participação na natureza divina. E é preciso que seja assim; pois, como acabamos de ver, em nenhum ser a operação ultrapassa, pode ultrapassar a natureza desse ser. Se um dia somos capazes de ver
a Deus, é porque alguma coisa de divino terá sido depositada em nós, ter-se-á tornado uma parte do nosso ser, e o terá elevado até torná-lo semelhante a Deus. “Bemamados, diz o apóstolo São João, agora somos filhos de Deus, e aquilo que um dia seremos ainda não se manifestou: seremos semelhantes a Ele, porque nós O veremos tal como Ele é” (I Jo., III, 2).

Essa alguma coisa nós a recebemos desde este mundo, no santo Batismo. O apóstolo São João a chama um germe (I Jo., III, 9), isto é, o início de uma vida. Era o que Nosso Senhor nos assinalava quando falava a Nicodemos sobre a necessidade de um novo nascimento, de uma geração para a nova vida: a vida que o Pai tem nEle mesmo, que Ele dá ao Filho, e que o Filho nos traz ao nos enxertar nEle pelo Santo Batismo. Essa palavra enxerto, que dá uma imagem tão viva de todo o mistério, São Paulo a tomara de Nosso Senhor, que disse a Seus apóstolos: “Eu sou a videira, vós sois os ramos. Assim como o ramo não pode dar fruto por si só, sem permanecer na videira, assim também vós, se não permanecerdes em Mim”.

Essas idéias elevadas eram familiares aos primeiros cristãos. O que o demonstra é que os apóstolos, quando levados a falar delas nas Epístolas, fazem-no como de uma coisa já conhecida. E de fato, foi assim que os ritos do batismo lhes foram apresentados em longas catequeses. Depois, as vestes brancas dos neófitos lhes dizia que eles começavam uma vida nova, que relativamente a essa vida eles estavam nos dias da infância: Filhos espirituais, era-lhes dito, como crianças recém-nascidas, desejai ardentemente o leite que deve alimentar vossa vida sobrenatural: o leite da fé sem alteração, sine dolo lac concupiscite, e o leite da caridade divina. Quando o desenvolvimento do germe que recebestes tiver chegado a seu fim, essa fé tornar-se-á clara visão, essa caridade tornar-se-á amor divino.

Toda a vida presente deve tender a esse desabrochar, à transformação do velho homem, do homem da pura natureza e mesmo da natureza decaída, em homem deificado. Eis o que acontece aqui em baixo ao cristão fiel. As virtudes sobrenaturais, infundidas em nossa alma no batismo, desenvolvem-se a cada dia pelo exercício que nós lhes damos com os socorros da graça, e tornam assim a graça capaz das atividades sobrenaturais que deverá desdobrar no céu. A entrada no céu será o nascimento, assim como o batismo foi a concepção.

Assim são as coisas. Eis o que Jesus fez e a respeito do que Ele veio informar o gênero humano. Desde então a concepção da vida presente foi radicalmente mudada. O homem não estava mais sobre a terra para gozar e morrer, mas para se preparar para a vida do alto e merecê-la.

GOZAR, MERECER, são as duas palavras que caracterizam, que separam, que opõem as duas civilizações.

Isto não quer dizer que desde o momento em que o cristianismo foi pregado os homens não pensaram em mais nenhuma outra coisa que não fosse a sua santificação. Eles continuaram a perseguir as finalidades secundárias da vida presente, e a cumprir, na família e na sociedade, as funções que elas requerem e os deveres que elas impõem. Ademais, a santificação não se opera unicamente pelos exercícios espirituais, mas pelo cumprimento de todo dever de estado, por todo ato feito com pureza de intenção. “Tudo quanto fizerdes, diz o apóstolo São Paulo, por palavras ou por obras, fazei-o em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo... Trabalhai para agradar a Deus em todas as coisas, e dareis frutos em toda boa obra” (Col., I, 10 e III, 17).

Além disso, permaneceram na sociedade, e nela permanecerão até o fim dos tempos, as duas categorias de homens que a Santa Escritura tão bem denomina: os bons e os maus. Todavia é de se reparar que o número dos maus diminui e o número dos bons aumenta à medida que a fé adquire mais influência na sociedade. Estes, porque têm a fé na vida eterna, amam a Deus, fazem o bem, observam a justiça, são os benfeitores de seus irmãos, e por tudo isso fazem reinar na sociedade a segurança e a paz. Aqueles, porque não têm fé, porque seus olhares ficaram fixados nesta terra, são egoístas, sem amor, sem piedade por seus semelhantes: inimigos de todo o bem, eles são na sociedade uma causa de discórdia e de impedimento para a civilização.

Misturados uns aos outros, os bons e os maus, os crentes e os incrédulos, formam as duas cidades descritas por Santo Agostinho: “O amor a si, que pode ir até ao desprezo de Deus, constitui a sociedade comumente chamada “o mundo”; o amor a Deus, levado até ao desprezo de si mesmo, produz a santidade e povoa “a vida celeste”.

À medida que a nova concepção da vida trazida por Nosso Senhor Jesus Cristo à terra entrou nas inteligências e penetrou nos corações, a sociedade se modificou: o novo ponto de vista mudou os costumes, e, sob a pressão das idéias e dos costumes, as instituições se transformaram. A escravidão desapareceu, e ao invés de se ver os poderosos subjugarem seus irmãos, viu-se-os se dedicarem até ao heroísmo para obter-lhes o pão da vida presente, e também, e sobretudo, para obter-lhes o pão da vida espiritual, para elevar as almas e santificá-las. A guerra não mais foi feita para se apoderar dos territórios de outrem, e conduzir homens e mulheres à escravidão, mas para quebrar os obstáculos que se opunham à expansão do reino de Cristo e obter para os escravos do demônio a liberdade dos filhos de Deus.

Facilitar, favorecer a liberdade dos homens e dos povos nos seus passos em direção ao bem, tornou-se a finalidade para a qual as instituições sociais se encaminharam, senão sua finalidade expressamente determinada. E as almas aspiraram ao céu e trabalharam para merecê-lo. A busca dos bens temporais pelo gozo que deles se pode tirar não foi mais o único nem mesmo o principal objeto da atividade dos cristãos, pelo menos dos que estavam verdadeiramente imbuídos do espírito do cristianismo, mas a busca dos bens espirituais, a santificação da alma, o crescimento das virtudes, que são o ornamento e as verdadeiras delícias da vida daqui de baixo, e ao mesmo tempo garantia da bem-aventurança eterna.

As virtudes adquiridas pelos esforços pessoais se transmitiam pela educação de uma geração a outra; e assim se formou pouco a pouco a nova hierarquia social, fundada não mais sobre a força e seus abusos, mas sobre o mérito: em baixo, famílias que se detiveram na virtude do trabalho; no meio, aquelas que, sabendo juntar ao trabalho a moderação no uso dos bens que ele lhes propicia, fundaram a propriedade através da poupança; no alto, aquelas que, desembaraçando-se do egoísmo, se elevaram às sublimes virtudes da dedicação a outrem: povo, burguesia, aristocracia. A sociedade foi baseada e as famílias escalonadas sobre o mérito ascendente das virtudes, transmitidas de geração em geração.

Tal foi a obra da Idade Média. Durante seu curso, a Igreja realizou uma tripla tarefa. Ela lutou contra o mal que provinha das diversas seitas do paganismo e o destruiu; ela transformou os bons elementos que se encontravam entre os antigos romanos e as diversas espécies de bárbaros; enfim, Ela fez triunfar a idéia que Nosso Senhor Jesus Cristo dera da verdadeira civilização. Para aí chegar, Ela tinha-Se empregado primeiramente em reformar o coração do homem; daí viera a reforma da família, a família reformara o Estado e a sociedade: via inversa daquela que se quer seguir hoje.

Sem dúvida, crer que, na ordem que acabamos de explanar, não tenha havido desordem, seria se enganar. O antigo espírito, o espírito do mundo, que Nosso Senhor havia anatematizado, jamais foi, jamais será completamente vencido e aniquilado. Sempre, mesmo nas melhores épocas, ainda quando a Igreja obteve na sociedade a maior ascendência, houve homens bons e homens maus; mas viam-se as famílias subir em razão de suas virtudes ou declinar em razão de seus vícios; viam-se os povos distinguir-se entre si por suas civilizações, e o grau de civilização prender-se às aspirações dominantes em cada nação: elas se elevavam quando essas aspirações depuravam e subiam; elas regrediam quando suas aspirações levavam-nas em direção ao gozo e ao egoísmo. Entretanto, ainda que acontecesse que nações, famílias, indivíduos se abandonassem aos instintos da natureza ou a eles resistissem, o ideal cristão permanecia sempre inflexivelmente mantido sob os olhos de todos pela Santa Igreja.

O impulso imprimido à sociedade pelo cristianismo começou a diminuir, dissemos, no século XIII; a liturgia o percebe e os fatos o demonstram. Inicialmente houve a paralisação, depois o recuo. Esse recuo, ou melhor, essa nova orientação, foi logo tão manifesta que recebeu um nome, a RENASCENÇA, renascença do ponto de vista pagão na idéia da civilização. E com o recuo veio a decadência. “Tendo-se em conta todas as crises atravessadas, todos os abusos, todas as sombras no quadro, é impossível contestar que a história da França -- a mesma observação vale para toda a república cristã -- é uma ascensão, como história de uma nação, enquanto a influência moral da Igreja domina, e que ela se torna uma queda, apesar de tudo o que essa queda às vezes tem de brilhante e de épico, desde que os escritores, os sábios, os artistas e os filósofos substituíram a Igreja e A despojaram de seu domínio”.2


1 Vidimus nunc per speculum in aenigmate: tunc autem facie ad faciem. Nunc cognosco ex parte: tunc autem cognoscam sicut cognitus sum. (I Cor., XIII, 12). Agora vemos num espelho e em enigma: mas então veremos face a face. Agora conheço imperfeitamente: mas então conhecerei como sou conhecido (por intuição). (Conf. Mat. XVIII, 10; I Jo, III, 2). O Concílio de Florença definiu: Animae sanctorum... intuentur clare impsum Deum trinum et unum sicut est: As almas dos santos vêem claramente o próprio Deus, tal qual Ele é na trindade das pessoas e na unidade de Sua natureza.  

2 Maurice Talmeyr.


Fonte: DELASSUS, Monsenhor Henri. A Conjuração Anticristã - O Templo Maçônico que quer se erguer sobre as ruínas da  I g r e j a  C a t ó l i c a. Tomo I, Capítulo II – A Dupla Concepção de Vida, p.16-19.


Retirado do blog Santa Mãe de Deus