segunda-feira, 14 de maio de 2018

São Bonifácio de Tarso, Mártir

14/05 Segunda- feira
Festa de Quarta Classe 
Paramentos Brancos

São Bonifácio, por Dmitry Korin - 1887

Princípios do quarto século sob o império de Galério Máximo. Foi causa de admiração na Igreja uma dessas brilhantes convenções que o senhor opera algumas vezes para reanimar a confiança dos pecadores, ora para descobrir aos homens os tesouros de suas misericórdias. Havia em Roma uma jovem de distinção, rica e poderosa chamada Aglaê, filha de Acácio, que tinha sido pro cônsul de família senatorial; amava a vaidade e o fausto a ponto de dar ao povo jogos públicos á sua custa. Era cristã; mas desonrava esta augusta qualidade por sua condução. Toda preocupada do espírito do mundo, dava-se inteiramente aos prazeres, da dissolução, era um objeto de escândalo para todos os fiéis. Vivia em relações criminosas com o intendente da casa era este um moço bem-apessoado, mas vicioso dado ao vinho e toda a sorte de intemperança chamava-se Bonifácio e era cristão; mas de cristão só tinha o nome que desonrava por sua libertinagem. Entre tantos defeitos admiravam-se lhe boas qualidades, a compaixão pelos infelizes, a caridade para com os pobres, e a hospitalidade para com os estrangeiros. Havia muito tempo que BONIFÁCIO levava, a vida tão desregrada quando o Deus das misericórdias tocou o seu coração daquela que o tinha pervertido. Aglaê, prevenida por uma graça interior, abriu os olhos a sua desordem e aterrada a vista do número dos seus pecados com o coração despedaçado por uma viva e sincera, dor resolveu aplacar a cólera de Deus por suas esmolas e pronta penitencia. A conversão de Aglaê foi bem depressa seguida por Bonifácio; os escândalos que haviam dado aos fiéis foram vantajosamente reparados pela mudança de costumes e pelos grandes exemplos de piedade de ambos. Aglaê fez logo o sacrifício a Deus de todos os seus enfeites e de todas as suas jóias, tornou-se defesos todos os divertimentos e a concorrência a todas as assembleias mundanas. A oração, o jejum, o cilício e muitas outras austeridades sucederam a seus criminosos divertimentos, esforçando-se por com as suas esmolas resgatar seus pecados, sepultou-se em um profundo retiro, resolvida a passar o resto dos seus dias nos gemidos e nas lágrimas. Bonifácio por sua parte nada esquecia para se tornar fiel a graça de Deus e dava todos os dias novas provas da sua conversão. Aglaê, tendo sabido que Galério Máximo continuava no oriente a perseguição contra os cristãos que havia alguns anos cessara em Roma e que cada dia algum generoso servidor de JESUS CRISTO selava sua fé como seu sangue, chamou Bonifácio e lhe disse com as lágrimas nos olhos:

"Não ignoras quanta é a necessidade que temos tu e eu de procurar a proteção dos santos mártires, que é tão poderosa junto de Deus. Tenho ouvido dizer, que se alguém serve os santos (mártires) que combatem por JESUS CRISTO merece que estes santos intercedam por ele junto do soberano juiz. A perseguição inflama-se cada vez mais no oriente, aí aumenta todos os dias o número dos mártires. Vai pois e traz-nos relíquias. Nada poupes para possuir o corpo dum desses mártires; traz-mo e eu o receberei com honra e mandarei edificar em seu nome um santuário." 

Bonifácio contente com uma tal comissão, preparou-se com uma grande equipagem. Leva uma avultada soma de dinheiro, tanto para resgatar os corpos dos mártires, como para assistir aos servos de DEUS que estavam em ferros e para dar esmola aos pobres. Tomando doze cavalos, três liteiras e diversos perfumes para embalsamar os corpos dos mártires, parte para Cilica. Despedindo-se de sua ama: 

"Senhora, lhe diz, gracejando, mandais-me para que vos traga o corpo de um mártir e se DEUS me fizesse a graça de dar a vida pela fé e vos trouxessem o meu corpo, recebê-lo-ias como uma relíquia".
"Não é tempo de gracejar", lhe responde Aglaê, "a coroa do martírio não é para tão grandes pecadores. Torna-te digno de me trazeres um tão santo depósito e por tua piedade esforça-te por merecer a proteção daquele cujas relíquias me trouxerem". 

Estas palavras fizeram impressão sobre o nosso santo. Proibiu-se o uso de carne e vinho durante a viagem. Juntando a esta abstinência preces continuas que dirigia a DEUS e lágrimas de contrição que derramava dispunha-as para a graça do martírio. Tendo Bonifácio chegado a Tarso da Cilicia, mandou as pessoas da sua equipagem para a hospedaria, e ele foi procurar pela cidade cristãos, dos quais pudesse saber o que se passava pouco tardou em se instruir perfeitamente; ao chegar a uma grande praça viu os mártires em tormentos, em número de vinte. Uns estavam pendurados de cabeça para a terra, tendo por baixo fogo, outros distendidos entre quatro postes, despedaçados de uma maneira horrível, alguns eram esquartejados, outros pregados, serrados, empalados, fustigados, até expirarem; e atormentados de maneira tão cruel que os espectadores não o bastante de serem pagãos, tinham horror. São Bonifácio animado de um desejo de martírio e de uma nova coragem, cheio de confiança na misericórdia daquele que lha inspirava, abre caminho através da multidão e aproximando-se dos mártires, abraça-os, beija-os, exclamando:

"Como é grande o DEUS dos cristãos. Como é poderoso o DEUS que estes santos adoram e por cuja glória tem a dita de derramar seu sangue! Suplico-vos que peçais a Jesus Cristo por mim e que me obtenhais a graça por bem grande pecador que eu seja, de ter parte em vossos combates e em vossas vitórias."

Em seguida assentado a seus pés e osculando-os, exclama em alta voz: 

"Coragem mártires de Jesus Cristo combatei por aquele que combate convosco confundi todo o inferno por vossa fé e vossa constância: já não tendes senão alguns momentos de vida a sofrer o combate e breve a recompensa e eterna e imensa". 

O governador Simplício que estava advertindo-o mandou que o trouxessem ao seu tribunal. Pergunta-lhe que é e o que pretende com aqueles entusiasmos. 

"Eu sou cristão" responde, Bonifácio com tom firme e ousado, "tenho inveja desses mártires benditos, que a honra de dar o seu sangue por um DEUS, QUE tendo-se feito homem para nos resgatar quis dar o seu sangue e a sua vida por nós". 

O governador surpreendido desta ousadia, disse:
"Como te chamas?"
"Eu, já vo-lo disse, sou cristão, e se quereis saber o meu nome, sou Bonifácio."
"Tu és bem temerário replicou o governador, para vires insultar-me até ao meu próprio tribunal e a vista dos suplícios. Eis um altar levantado para aqueles teus correligionários que quiserem evitar o ultima suplício e possam oferecer seus sacrifícios a nossos deuses; sacrifica já ao grande Júpiter, se não vais ser atormentado de mil maneiras." 
"Vós podeis fazer de mim o que aprouver, responde Bonifácio, eu já vos disse muitas vezes que sou cristão e que não ofereço sacrifícios a demônios infames."

O governador furioso ao ouvir esta resposta, manda-o fustigar até se lhe verem os ossos, e aguçando canas faz-lhas meter por entre as unhas e os dedos. A dor era viva e aguda, e Bonifácio sofreu-a com um rosto alegre. Simplício, crendo-se insultado por esta serenidade de semblante, manda derreter chumbo, e deitar-lho na boca.

Bonifácio conhecendo que este suplício ia tirar-lhe o uso da fala, da palavra, quis prevenir essa perda para consagrar a DEUS o derradeiro exercício dela; levantando pois os olhos ao céu, fez a DEUS esta oração.

«Meu DEUS e meu SENHOR, JESUS CRISTO, dou-vos graças por vos dignardes aceitar o sacrifício que vos faço da minha vida, vinde em socorro do vosso servo e perdoai-lhe todas as suas iniquidades; fazei que expie em seu sangue e que sua morte lhe sirva de penitência, sustentai-me com vossa graça e não permitais que no meio de tormentos eu tenha algum desfalecimento

Tendo acabado esta oração gritou aos outros mártires:

"Irmãos, peço-vos que rezeis por mim". 

Todos os mártires se recomendam igualmente em alta vós as suas orações. O povo comoveu-se e de repente começou a gritar:

"Oh! Como é grande o DEUS dos cristãos! Não há outro DEUS. O DEUS dos mártires é o único DEUS, Jesus Cristo, filho de DEUS, salvai-nos; nós cremos todos em vós". 

Ao mesmo tempo o povo derruba o altar e lançam pedras contra o governador, obrigando-o a esconder-se até que o tumulto passasse. No entanto Bonifácio foi levado á prisão. No dia seguinte o juiz tendo-o encontrado tão invencível como no dia precedente, mandou-o mergulhar em uma caldeira de azeite a ferver. Bonifácio ao entrar nela fez o sinal da cruz e a caldeira arrebentou por todos os lados e o azeite espalha-se em torrente contra todas as pessoas presentes. O governador espantado do poder de Jesus Cristo e receando uma nova sedição, mandou-lhe cortar a cabeça. E assim, Bonifácio expiou os pecados da sua vida passada derramando o seu sangue por Jesus Cristo nosso senhor. Sua morte no dia 14 de Maio, foi seguida de um grande tremor de terra, que aterrou os pagãos, dos quais muitos se converteram. Neste entrementes as pessoas da comitiva de Bonifácio inquietas por o não terem visto voltar as hospedarias havia já dois dias, procuravam-no por toda a parte, alguns mesmo suspeitando que ele tivesse ido a alguma taverna, ou algum alcouce. Como o reclamavam debaixo do nome de um estrangeiro, chegado de Roma, de estatura regular louro e frisado vestido de manto escarlate, encontraram o irmão do carcereiro que pelo retrato que lhe fizeram, lhes disse que era certamente aquele que tendo sido preso como cristão havia dois dias, perdera a cabeça.

Não seria possível, lhe disseram, mostra-nos o seu corpo? Segui-me; disse o irmão do carcereiro, o encontraríeis na arena. Logo que o reconheceram transportados pela admiração de alegria e de sentimentos pelos juízos desfavoráveis que dele tinham feito, se prostraram a seus pés, derramando copiosas lágrimas. A cabeça de Bonifácio por um milagre estupendo abriu os olhos e fixando-os com um doce sorriso, lhes causou interiormente um arrependimento consolador. Depois de haverem satisfeito a sua devoção, perguntaram ao oficial se lhes era permitido levar o corpo. Consentiu nisso mediante a soma de quinhentos soldos de ouro que lhe contaram. Tendo-o embalsamado envolvido em panos preciosos, puseram-no em uma das liteiras, e retomando o caminho de Roma, não cessando de louvar a DEUS por um fim tão ditoso para Bonifácio. Nesse tempo estando Aglaê em oração, ouviu uma voz do céu que lhe disse:

"Aquele que era teu doméstico e agora nosso irmão, recebe-o como teu senhor e dá-lhe um lugar condigno porque é singularmente por sua intercessão que DEUS TE perdoará todos os teus pecados". 

Ergueu-se prontamente transportada de alegria da graça de DEUS, pela misericórdia que usara para com o seu intendente, tendo solicitado de alguns eclesiásticos que a acompanhassem, dirigiu-se ao encontro das santas relíquias, fazendo preces pelo caminho, com círios e perfumes. Teriam andado um quarto de légua quando o corpo de Bonifácio chegou. É indizível a veneração e as lágrimas de alegria com que foi recebido. Como eram terras de Aglaê mandou logo levantar um rico túmulo, e alguém anos depois um magnífico santuário. Tendo inteiramente renunciado ao mundo deu todos os seus bens aos pobres, deu a liberdade aos seus escravos, não retendo ao pé de si senão algumas donzelas que a serviam; levantou um cemitério junto da capela de Bonifácio o santo mártir onde viveu ainda treze anos nos exercícios da mais edificante piedade. Morreu certamente declarando o senhor a santidade de sua serva por muitos milagres.