sábado, 1 de agosto de 2015

Sermão do Bem-aventurado Papa Urbano II convocando à I Cruzada em Clermont-Ferrand (França, 27 de novembro de 1095)



Bem-aventurado Papa Urbano II: a versão mais completa do Sermão da Cruzada
Do famoso sermão do Bem-aventurado Papa Urbano II convocando à I Cruzada em Clermont-Ferrand (França, 27 de novembro de 1095) existem diversos registros feitos por diversas testemunhas. Eis um outro, o mais completo, traduzido do italiano e disponível no site Documenta Catholica:

Povo dos Francos, povo de além Alpes, povo – como reluz em muitas de vossas ações ‒ eleito e amado por Deus, distinguido entre todas as nações pela posição de vosso país, pela observância da fé católica e pela honra que presta à Santa Igreja, a vós se dirige nosso discurso e nossa exortação.
Queremos que vós saibais do lúgubre motivo que nos conduziu até vossas terras; da necessidade ‒ para vós e para todos os fiéis ‒ de conhecerem o motivo que nos impeliu até aqui.

Desde Jerusalém e desde Constantinopla chegou até nós, mais de uma vez, uma dolorosa notícia: os turcos, povo muito diverso do nosso, povo de fato afastado de Deus, estirpe de coração inconstante e cujo espírito não foi fiel ao Senhor, invadiu as terras daqueles cristãos, as devastou com o ferro, a rapina e o fogo.

Levou parte dos habitantes como prisioneiros até seu país, outra parte matou com infames estragos, e as igrejas de Deus ou as destruiu até os fundamentos ou as entregou ao culto da religião deles.

Derrubam os altares após profaná-los imundamente, circuncidam os cristãos e espalham o sangue da circuncisão sobre os altares ou jogam-no nas pias batismais; e àqueles que querem condenar a uma morte vergonhosa perfuram o umbigo, arrancam os genitais, os amarram a um pau e, chicoteando-os, levam-nos pelas ruas, para que com as vísceras de fora, acabem caindo mortos prostrados por terra.
Outros se servem deles como alvo de flechas após amarrá-los a um pelourinho; a outros, após obrigá-los a dobrar a cabeça, os atacam com espadas e tentam decapitá-los de um só golpe.

O que dizer da violência nefanda praticada com as mulheres, sobre a qual é pior falar do que calar?
O reino dos gregos já foi atingido tão gravemente por eles e tão perturbado na sua vida diária que não pode ser atravessado sequer numa viagem de dois meses.

A quem, pois, cabe o ônus de vingá-lo e de reconquistá-lo se não a vós a quem Deus, mais de que aos outros povos, concedeu a insigne glória das armas, grandeza de alma, agilidade de corpo, força para humilhar a fundo aqueles que a vós resistem?

Que a gesta de vossos antepassados vos mova, que excite vossas almas a atos dignos dela, a probidade e a grandeza de vosso rei Carlos Magno e de Luis seu filho e de outros soberanos vossos que destruíram o reino dos pagãos e até eles estenderam os confines da Igreja.

Sobretudo que vos incite o Santo Sepulcro do Senhor, nosso Salvador, que está nas mãos de gentes imundas, e os lugares santos, que agora estão por eles vergonhosamente possuídos e irreverentemente profanados com sua imundícia.

Ó soldados fortíssimos, filhos de pais invictos, não vos mostreis decadentes, mas lembrai-vos da coragem de vossos predecessores; e se vos segura o doce afeto dos filhos, dos pais e das consortes, atentai para o que diz o Senhor no Evangelho: “quem ama o pai ou a mãe mais que a Mim, não é digno de Mim. Todo aquele que deixar seu pai ou sua mãe, ou a mulher ou os filhos ou as terras por amor de meu nome receberá o cêntuplo nesta terra e terá a vida eterna”.

Não vos detenha o pensamento de alguma propriedade, nenhuma preocupação pelas coisas domésticas, pois esta terra que vós habitais, circundada por todo lado pelo mar ou pelas montanhas, ficou estreita para vossa multidão, não é exuberante de riqueza e apenas fornece do que viver a quem a cultiva.

Por isso vós vos ofendeis e vos hostilizais reciprocamente, vós vos fazeis guerra e com freqüência vos matais entre vós mesmos.

Cessem, pois os ódios intestinos, apaguem-se os contenciosos, aplaquem-se as guerras e sossegue toda discórdia e inimizade.

Empreendei o caminho do Santo Sepulcro, arrancai aquela terra àquele povo celerado e submetei-la a vós: ela foi dada por Deus em propriedade aos filhos de Israel; como diz a Escritura, nela correm rios de leite e mel.

Jerusalém é o centro do mundo, terra feraz por cima de qualquer outra quase como um paraíso de delícias; o Redentor do gênero humano a tornou ilustre com sua vinda, a honrou com sua passagem, a consagrou com sua Paixão, a redimiu com sua morte, e a tornou insigne com sua sepultura.

Exatamente esta cidade real posta no centro do mundo agora é tida em sujeição pelos próprios inimigos e pelos infiéis, feita serva do rito pagão. Ela eleva sua lamentação e anela ser liberada e não cessa de implorar que vós andeis no seu socorro.

De vós mais do que qualquer outro povo ela exige ajuda, pois vos tem sido concedida por Deus, por sobre todas as estirpes, a glória das armas.

Empreendei, pois este caminho em remissão de vossos pecados, certos da imarcescível glória do reino dos Céus.

Ó irmãos amadíssimos, hoje em nós manifestou-se o que o Senhor diz no Evangelho: “Onde dois ou três estarão reunidos em meu nome, Eu estarei no meio deles”.

Se o Senhor Deus não tivesse inspirado vossos pensamentos, vossa voz não teria sido unânime; e ainda que tenha ressoado com timbres diversos, foi única, entretanto a sua origem: foi Deus que a suscitou, foi Deus que a inspirou em vossos corações.

Seja, pois, esta vossa voz, o vosso grito de guerra, posto que ele vem de Deus. Quando fores ao ataque dos belicosos inimigos, seja este o grito unânime de todos os soldados de Deus: “Deus o quer! Deus o quer!”

Nós não convidamos a empreender este caminho aos velhos ou àqueles que não são aptos para portar armas, nem as mulheres; que as mulheres não partam sem seus maridos ou sem irmãos ou sem representantes legítimos: todos estes são mais um impedimento do que uma ajuda, mais um peso do que uma vantagem.

Que os ricos sustentem os pobres e levem a seu custo homens prestes para combater.

Aos sacerdotes e clérigos de qualquer ordem não seja lícito partir sem licença de seu bispo, porque esta viagem lhes seria inútil sem esse assentimento; e nem sequer aos leigos seja permitido partir sem a bênção de seu sacerdote.

Todo aquele que queira cumprir esta santa peregrinação e que faça promessa a Deus e a Ele se tenha consagrado como vítima viva, santa e aceitável, leve sobre seu peito o sinal da Cruz do Senhor. Aquele que, após ter cumprido seu voto queira retornar, dê meia-volta.

Cumprirão assim o preceito que o Senhor dá no Evangelho: “Quem não carrega sua cruz e não vem detrás de Mim não é digno de Mim”.

Clermont, 27 de novembro de 1095.

(Fonte: Documenta Catholica, “Popolo Dei Franchi” (Discorso sulla crociata) [27-11-1095])

Retirado do site As Cruzadas

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